No último sábado, um homem invadiu uma cerimônia religiosa em uma sinagoga em Pittsburgh, no estado americano da Pensilvânia, gritando "todos os judeus devem morrer". Robert Bowers, de 46 anos, matou 11 pessoas e feriu outras seis, incluindo quatro policiais. A vítima mais velha, Rose Mallinger, tinha 97 anos – idade suficiente para ter visto o antissemitismo "da boca para fora" da sociedade europeia se transformar em perseguição e culminar no massacre de mais de seis milhões de judeus. O pior ataque antissemita em décadas nos Estados Unidos encerrou uma semana tensa, em que vários pacotes–bomba foram enviados a políticos e personalidades que criticam o presidente Donald Trump.
Bowers costumava escrever posts antissemitas em uma rede social, o que não chega a ser uma exceção nos dias de hoje – mesmo aqui no Brasil. Isso significa que todos os malucos que escrevem bobagens racistas em redes sociais são criminosos em potencial? É provável que não, mas a esta altura é impossível não começar a relacionar a violência retórica das redes com o acirramento dos ânimos fora delas – especialmente quando políticos aprendem que jogar gasolina nesse discurso anárquico e inconsequente pode render popularidade e votos.
Se a experiência americana com um presidente abertamente racista, misógino e pró-armas nos ensina alguma coisa é o quanto um líder é capaz de inspirar negativamente – por atos, palavras e Twitter – não apenas seu próprio país, mas todo o planeta. Quanto mais Trump legitima a brutalidade como estilo de linguagem e liderança – quando se refere a refugiados, quando se dirige a jornalistas ou mesmo quando dialoga com países estrangeiros – mais autoriza que outros façam o mesmo. Muitas vezes com armas ainda mais perigosas do que as bravatas de rede social.
Em 2019, teremos no Brasil um presidente que se elegeu movido pelo discurso do ódio. Nas poucas vezes em que se expôs ao debate público, Jair Bolsonaro demonstrou muita dificuldade para articular um raciocínio claro e consistente com relação a temas como economia, saúde, educação ou mesmo segurança pública. O que seduziu seus eleitores não foram suas ideias propriamente ditas, mas sua habilidade para aliar a rejeição ao petismo a um discurso moralista, que se provou muito sedutor, principalmente junto a eleitores homens e evangélicos. Seu maior cabo eleitoral foi uma fake news: o famigerado kit gay, que nunca existiu – uma das muitas contradições de alguém que se elegeu pregando a honestidade.
Mas odiar um partido e impor uma pauta moral única não pagam aluguel nem resolvem os problemas de ninguém. Para governar o país inteiro, Bolsonaro vai ter que aprender uma ou duas coisas sobre quase tudo e também vai precisar desenvolver algum tipo de agenda positiva. O Brasil não aguenta mais tanto ódio nem tantas bravatas. Um ambiente saturado de palavras raivosas ditas "da boca para fora" tende a transbordar e se torna potencialmente explosivo, como vimos durante as últimas semanas. Torço que o presidente eleito Bolsonaro aprenda com os erros de Donald Trump – em vez de se inspirar neles. Porque quando os corvos do ódio estão à solta, ninguém está a salvo e tudo pode acontecer. Inclusive assistirmos à História andando para trás. Como aconteceu com a quase centenária Rose Mallinger em seu último minuto de vida.