No futuro, talvez estes primeiros 20 anos do século 21 sejam lembrados como a franja de uma civilização em metamorfose: nada mais é como era, mas muito pouco já é como um dia virá a ser.
Podemos perceber sinais de fadiga dos materiais por todos os lados. A sala de aula, por exemplo, não funciona mais como antes, mas não sabemos ainda como alunos e professores vão interagir no futuro. Como motivar estudantes com uma oferta ilimitada de entretenimento ao alcance da mão a se interessarem por conteúdos que a escola considera relevantes? Como usar a tecnologia de forma intelectualmente desafiadora? Como formar professores? (Spoiler: em meio a tantas dúvidas, a "lavagem cerebral" dos megaestimulados alunos do século 21 soa como piada de mau gosto. Se existe algum tipo de lavagem cerebral em curso, não é na sala de aula que ela anda acontecendo.)
O mundo do trabalho também virou de cabeça para baixo: profissões desapareceram, empregos encolheram e ficou mais difícil planejar o futuro.
A instabilidade será o novo normal? É provável. Nesse aspecto, não foi apenas a economia que mudou, mas a própria expectativa com relação à satisfação pessoal no ambiente de trabalho. Ainda convivem, no mesmo espaço e ao mesmo tempo, o funcionário para quem a estabilidade no emprego é um valor e aquele que encara a perspectiva de trabalhar a vida inteira no mesmo lugar como uma espécie de maldição. É possível que, no futuro, as pessoas troquem de carreira com muito mais frequência do que hoje – por opção e também por contingência.
Está mais do que claro que deu a louca também no mundo da política, e a democracia está em crise. Nada no horizonte sugere que estamos prestes a inventar um regime político melhor, mas talvez sejam necessários ajustes para tornar a democracia sexy novamente. O que sabemos, em 2018, é que a crise na representação política, potencializada pela sensação de desconforto e instabilidade em todos os outros aspectos da vida, tem levado alguns países a buscar refúgio no populismo, no autoritarismo, na exclusão e no ódio como plataforma. Ou seja: diante de um presente nebuloso e de um futuro incerto, muita gente tem preferido fugir para o passado.
O problema é que o passado só volta como fantasia – ou assombração. Por mais que a História nos ofereça exemplos para reflexão, podemos apenas imaginar a gororoba resultante da combinação inédita de uma receita antiga (fascismo, autoritarismo, populismo) com ingredientes novos (redes sociais, WhatsApp, fake news).
As críticas ao papel do Facebook nas eleições americanas de 2016 já parecem pré-história diante do destaque que o WhatsApp teve nas eleições brasileiras em 2018. O WhatsApp não é uma rede social controlada por um algoritmo, como o Facebook, mas uma ferramenta de troca de mensagens privadas sem qualquer tipo de mediação ou controle.
O que acontece quando milhares de pessoas podem espalhar mentiras e boatos com enorme rapidez e alcance durante uma eleição? Como esse universo paralelo pode ser submetido às regras básicas da civilização e convivência? Não sabemos ainda. Mas torço muito para que, até as próximas eleições, estejamos um pouco menos suscetíveis ao que não tem vergonha nem nunca terá.