O francês Thomas Piketty é, tipo assim, a Anitta dos economistas: depois do best-seller O Capital no Século 21 (2013), em que analisou a dinâmica da distribuição de riqueza nos países desenvolvidos, cada novo trabalho seu é recebido com interesse e atenção (bom, não taaaanto interesse e atenção assim quanto Anitta...).
Há alguns dias, uma pesquisa comandada por um grupo do qual Piketty faz parte mostrou que o 1% mais rico do país controla 27,8% da renda do Brasil – dado que nos instala na pole position da desigualdade no planeta. Isolada, essa informação já é ruim o suficiente, mas fica pior quando vemos o britânico Richard Wilkinson demonstrar como a desigualdade prejudica as sociedades como um todo, e não apenas os pobres (confira um TED sobre o tema em bit.ly/richwilkinson).
O campo de estudo de Wilkinson é a "epidemiologia social", área que pesquisa como diferentes tipos de relações sociais impactam a saúde. O economista sustenta que a desigualdade pode ser pior para a qualidade de vida do que um pibinho murcho. Analisando a realidade de países ricos – como Japão, EUA, Suécia, França e Canadá –, Wilkinson prova que itens tão distintos quanto stress, longevidade, desempenho em matemática e número de homicídios por milhão de habitantes são piores em países em que a diferença entre ricos e pobres é mais acentuada.
Ou seja: o que define se um lugar é bom de se viver ou não é menos a quantidade de riqueza circulando do que a capacidade da sociedade de aproximar seus extremos. Se você, em 2017, pensou pelo menos uma vez em emigrar do Brasil, não deve ter sido porque nosso crescimento econômico está devagar quase parando, mas porque ricos e pobres não se veem como compatriotas, mas como inimigos – com consequências tão vastas e perversas que nem sequer conseguimos dimensionar, mas que com certeza explicam seu medo de sair à noite, sua insegurança quanto ao futuro, sua desconfiança com relação à honestidade do vizinho.
E aí chega Anitta, de biquíni de fita isolante, torrando na laje, ostentando brasilidade da periferia para o mundo (e o Brasil). Boa parte do 1% de ricos brasileiros curte a estética "favela chique" de Anitta, mas mesmo assim houve quem reclamasse, com certo constrangimento, da vulgaridade da música, da laje, da fita isolante, da bunda, da celulite, da atitude...
Ocorre que o 1% de privilegiados do país mais desigual do mundo, quando o assunto é música, prefere ouvir aquilo que os outros 99% escutam. Cultural e socialmente, estamos mais para o tapa-sexo de fita isolante na laje do que para o biquíni de diamantes e rubis na passarela da Victoria's Secret – e o contraste entre ambos é uma boa ilustração da perversidade da nossa distribuição de renda.
A desigualdade piora tudo: saúde, segurança, educação. E nos empobrece simbolicamente também, quando o gosto da maioria patrola a variedade de manifestações culturais que sempre nos distinguiu. Se o funk e o sertanejo parecem estar sufocando todos os outros ritmos musicais no país, não é porque os pobres não desenvolveram seu "bom gosto" ou a classe média descobriu que Marília Mendonça canta muito melhor do que Elis Regina, mas porque o mercado não está nem aí para bom ou mau gosto.
O importante, como Anitta sempre entendeu muito bem, é vender o que o público quer comprar – seja bunda, funk ou biquíni de fita isolante. Quem prefere diamante que se vire para garimpar.