A crise da meia-idade é bem diferente vista daqui das primeiras filas. Aos 25, quando ouvia alguém usando essa expressão, ela me soava não apenas distante como as montanhas do Tibete, mas um tanto ridícula. (O que a gente não acha ridículo quando tem 25 anos?) Se existia mesmo algum desconforto ligado à chegada da maturidade, as vítimas não eram as pessoas razoáveis e sensatas, entre as quais eu gostaria de estar incluída quando o futuro chegasse, mas apenas os pobres de espírito que perdiam tempo tentando nadar contra a corrente.
Aos 51, percebo que alguma crise de meia-idade é inescapável – mas, como quase tudo, será reflexo do que se viveu (ou não viveu) antes. Minha impressão, até aqui, é que as mudanças no rosto e no corpo são menos decisivas para esse mal-estar do que eu imaginava. OK, a parte mais visível da passagem do tempo tem um impacto imediato evidente, mas, ao contrário do que costumam pensar os mais jovens, o que procuramos no espelho, depois de uma certa idade, não é necessariamente nosso eu mais novo ou mais bonito, mas aquele que representa melhor a imagem mental que fazemos de nós mesmos. É a dificuldade de sintonizar essas duas imagens, a interna e a externa, que produz tantos homens e mulheres de triste figura.
Parte de qualquer crise da meia-idade, me parece, tem a ver com a necessidade de reconfigurar o espaço que as memórias do passado e os planos para o futuro ocupam em nossos pensamentos. Durante boa parte da vida, viajamos de uma etapa para outra com a bagagem leve dos primeiros anos. O resto é a própria história sendo escrita – família, estudos, amores, trabalho, viagens... – e um futuro a perder de vista onde cabem todos os projetos.
Em determinado momento, essa valise se torna um contêiner. Já não carregamos apenas as nossas lembranças, mas cada momento da vida dos nossos filhos e, em muitos casos, também as memórias de pais e avós que fazemos questão de proteger do esquecimento. Nos tornamos um livro de 500 páginas cheio de histórias para organizar e dar sentido – com alguns capítulos em branco para planejar, é verdade, mas sem muita margem para rascunhos. Experiências se acumulam, se sobrepõem, se misturam. O futuro, ao contrário, vai ficando estreito como uma faixa de areia depois que o mar avançou, o que nos obriga a cuidar dele com inteligência e um certo pragmatismo.
A maioria das pessoas que eu conheço não gostaria de voltar ao passado. Do que a gente realmente sente falta é de não pensar tanto assim na passagem do tempo. Acompanhamos o início e o fim de muita coisa. Vimos nossos ídolos ficando velhos, nossos amigos de infância perdendo o ar de moleques, nossos bebês se tornando adultos, nossos planos mais malucos sendo trocados por outros, menos espetaculares, mas mais factíveis.
Não importa o que tenham nos dito a respeito antes. A história mais antiga do mundo – a voraz transitoriedade de tudo que nos cerca – sempre nos pega de surpresa.