Educação precária, vejam só, nem sempre é a causa de todos os problemas. Nos campus de universidades americanas de elite, o conceito de liberdade de expressão está sendo colocado em xeque: aulas são interrompidas, palestras são canceladas, livros são proscritos. Se nem lá, onde a educação superior é de excelência, a ideia da liberdade de expressão como âncora da democracia anda fazendo muito sucesso, imaginem naqueles países bárbaros onde a educação é tratada como se não valesse dois reis de mel coado.
Nos últimos dias, as revistas Time e The Economist deram destaque para a batalha ideológica atualmente em curso nos campus americanos: professores sendo impedidos de dar aulas porque seus cursos são "eurocêntricos", exibições de filmes sendo enxovalhadas pela audiência porque o "lugar de fala" do diretor não é considerado aceitável, livros sendo retirados do currículo porque a história pode despertar a sensibilidade de alguns alunos ("trigger warning"). De um lado, os que acreditam que universidades deveriam ser espaços sagrados, onde o conhecimento nasce, cresce e se exercita através, inclusive, da controvérsia e do dissenso. Do outro, os defensores de códigos de discurso que estabelecem territórios tão sensíveis para o debate acadêmico que determinados temas tornam-se campos minados de suscetibilidades, gerando um ambiente de medo e autocensura.
Do outro lado do campo ideológico, os direitos de manifestação dos alunos começam a ser tolhidos em algumas universidades, não por preocupação com a garantia da liberdade de expressão, mas porque parece mais fácil mandar todo mundo calar a boca do que lidar com o problema de forma direta e ponderada. Os dois extremos, cada vez mais radicais e menos propensos ao diálogo, concordando em um único e perigoso ponto: o desejo de mandar todo mundo que pensa diferente calar a boca.
No Brasil, além do "calaboquismo" de direita, como o que vem mirando exposições de arte, temos alguns exemplos de pressão contra livros, peças e filmes vindo do campo supostamente progressista. Não que obras de arte não possam e devam ser confrontadas pelas ideias que expressam, consciente ou inconscientemente, mas proibir, banir, impedir a discussão ou enxovalhar os artistas é sempre inadmissível, seja pelo motivo que for.
As vítimas mais recentes desse tipo de abordagem de vocação censora foram a cineasta Daniela Thomas e seu filme Vazante, que se passa no interior de Minas Gerais, em 1821, e aborda a escravidão. Durante um debate no Festival de Brasília, em setembro, a diretora foi surpreendida pela violência dos argumentos que atacavam não apenas o filme, mas o direito da cineasta de ter sua própria visão sobre o tema. Em um texto publicado na revista Piauí depois do incidente, Daniela diz que admira e reconhece as reivindicações dos movimentos que lutam pelo reconhecimento das identidades sistematicamente apagadas na sociedade brasileira, mas fez o filme que queria e podia fazer. "Estou aberta ao diálogo, até mesmo ao confronto de ideias, mas certamente não à censura e ao linchamento", escreveu Daniela Thomas.
Vindos da direita ou da esquerda, ataques contra a arte e os artistas são sempre uma violência contra a liberdade do pensamento. Há ideias boas e ideias ruins, obras boas e obras ruins, mas, na dúvida, é melhor deixar que seus próprios méritos selem seu destino.