A escola de Novo Hamburgo não inventou a brincadeira do "se nada der certo" que despertou a indignação das redes sociais nos últimos dias. Essa bizarra modalidade de festa à fantasia já havia colorido os pátios de muitas escolas de Porto Alegre e do Interior antes de começar a vir à tona o aspecto potencialmente preconceituoso da brincadeira. Ou seja: a piada, além de ruim, é velha.
Um dado histórico antigo e outro mais recente ajudam a entender por que profissões que não exigem curso superior (como os faxineiros, garçons, balconistas e lixeiros recriados pelos alunos) são tão desprestigiadas no Brasil – a menos, é claro, que você seja o Eike Batista e só descubram que você não completou a faculdade quando for em cana.
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O aspecto mais antigo é a presença, ainda muito palpável na nossa cultura, de uma tradição escravocrata trabalhofóbica e dondococêntrica. "Se dar bem", no Brasil, é associado a herdar ou desfrutar e não necessariamente a trabalhar, criar, empreender. Mesmo os novos ricos que exibem com orgulho um passado de trabalho duro tratam de manter os filhos o mais longe possível de qualquer coisa que cheire a salário. (Limpar a própria privada, então, só se realmente nada mais der certo.)
Quem nasce, cresce e empreende em um país onde é honroso trabalhar, onde a ascensão social, pelo trabalho e pelo estudo, é uma possibilidade real e não um acidente de percurso, tende a respeitar mais quem trabalha. O segundo aspecto diz respeito à falta de diversidade social das escolas, públicas e particulares, no Brasil. Escolas em que alunos de origens diversas convivem e aprendem uns com os outros e suas diferenças promovem uma visão menos limitada e precária do mundo ao redor.
Quem tem um amigo criado por uma mãe solteira que vende maquiagem no salão da igreja talvez aprenda a ter mais respeito por gente que rala para manter o filho na escola até o fim – sabendo que, se ele conseguir chegar até lá, só irá adiante graças a muito esforço e bolsas de estudo. É possível, claro, ver o mundo de forma mais complexa mesmo vivendo em meio ao apartheid social a que estamos habituados, mas isso exige esforço de pais, alunos e escolas. Se não fizermos nada, nada vai dar certo.
A propósito: acaba de ser lançado no Brasil o livro Manual da Faxineira, da escritora americana Lucia Berlin (1936 - 2004) – desde já um dos grandes lançamentos literários do ano. Lucia fez de tudo na vida, inclusive faxina, e morreu dando aulas de escrita criativa na universidade. Para quem nunca conversou com uma faxineira, fica a dica: leia o livro e fale com a sua.