Fui uma menina noveleira, como muitas da minha geração. Muito antes de aprender a gostar de livros, foram as novelas que me ensinaram o prazer de acompanhar histórias de faz de conta – a TV era a fogueira da minha tribo.
Lembro de assistir ao último capítulo das novelas com saudades antecipadas dos personagens que se despediam. Quando você é criança e passa meses rindo ou sofrendo com um personagem, aquele momento em que o herói some do seu mundo acompanhado pelo letreiro "o fim" acaba sendo um pouco melancólico.
A geração que cresceu com videocassete, DVD, YouTube ou Netflix ganhou de bandeja a possibilidade de eterno retorno às memórias audiovisuais mais queridas. Não é pouca coisa. Muitas criaturas da ficção acabam sendo mais importantes para a nossa formação ética, afetiva ou intelectual do que boa parte das pessoas de carne e osso que cruzam o nosso caminho. Pronto, falei.
É raro que livros provoquem esse tipo de angústia da separação. Primeiro, porque, em princípio, sempre podemos voltar a eles – ainda que as releituras nunca nos encontrem exatamente nas mesmas condições da experiência original. Além disso, mesmo o leitor menos apressado não passará meses ou anos dedicado a um mesmo universo de personagens. A menos, é claro, que essa história se desdobre ao longo de muitos livros, como se tornou comum, nos últimos anos, especialmente com tramas voltadas ao público adolescente.
A série napolitana da escritora italiana Elena Ferrante é excepcional por muitos motivos e mais este: desde que o epílogo desta história em quatro partes desembarcou no Brasil, há duas semanas, seus leitores cativos vêm encarando com evidente melancolia o momento de se despedir daqueles personagens que acompanharam durante dois anos e 1.700 páginas (o primeiro livro da série, A Amiga Genial, foi lançado por aqui em 2015).
Combinando realismo social, profundidade psicológica e agilidade narrativa, Ferrante é um daqueles raros casos em que a alta literatura encontra o grande público. A leitura, em geral, é um hobby solitário e raramente podemos trocar impressões sobre um grande livro com vários amigos ao mesmo tempo. Se você ainda não leu, apresse-se: ainda dá tempo de entrar para a nossa tribo e aquecer-se no próximo inverno ao calor dessa poderosa fogueira napolitana.