Uma das vantagens de nascer e viver na mesma cidade é a possibilidade de reencontrar a própria história congelada (ou quase) na vizinhança que a gente frequentava quando criança. Acontece o tempo todo comigo no centro de Porto Alegre, onde nasci e morei em boa parte da vida.
Minha infância inteira cabe naquela pontinha do mapa que tem o cano da Usina como farol. Meu jardim da infância ainda está lá, no Alto da Bronze, e o castelinho da Vasco, ali perto, resiste tão improvável como sempre foi. O grupo escolar Menna Barreto Neto foi demolido décadas atrás, mas é quase impossível passar por aquele primeiro trecho da Riachuelo sem lembrar que a janela da sala de aula ficava tão perto da minha casa que eu quase podia sentir o cheiro da comida da minha mãe. Revisitar parentes, aliás, é um dos prazeres desses passeios involuntários ao passado provocados por uma paisagem familiar.
Avós, pais, tios, vizinhos, pessoas que nos últimos anos se mudaram definitivamente para o território da memória, povoam esse bairro espaçoso que não para de crescer para dentro – o passado.
De todos esses lugares do Centro, nenhum me parece tão precariamente instalado no século 21 quanto a Praça da Alfândega. Por algum motivo, a pracinha da minha infância permaneceu imune ao barulho, à sujeira, à confusão e principalmente ao presente. Tudo o que ainda não existia quando eu brincava por ali parece provisório. Permanentes são as memórias.
A Feira do Livro menor e menos movimentada em função da crise de certa forma combina com essa Praça da Alfândega bucólica da minha infância, mas isso não é necessariamente bom. O fato é que uma Feira do Livro menor me parece antinatural e triste. Como é antinatural e triste a Fundação Iberê Camargo abrir apenas dois dias por semana, um evento como a Bienal do Mercosul correr o risco de sumir do calendário ou o Teatro da Ospa nunca sair do chão.
Uma Porto Alegre menor e mais provinciana pode ser doce como nostalgia, mas é melancólica e antinatural como projeto de futuro.