Em uma grande cidade acuada pela violência, onde a população se vê dividida entre presas e predadores, palavras e ações extremas parecem cada vez mais razoáveis para cada vez mais gente.
"O medo sempre vence", sentencia o vilão de Zootopia, distorcendo a célebre frase do presidente americano Franklin Delano Roosevelt citada logo no início do filme pela jovem policial idealista:
"Não temos nada a temer, a não ser o próprio medo".
A reflexão sobre o medo e sobre como ele pode afetar a maneira como agimos e convivemos uns com os outros é um dos temas da animação mais recente da Disney (assista mesmo se não tiver crianças em casa: a diversão é garantida), assim como um dos pontos de partida do último livro do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, Babel – Entre a incerteza e a esperança. Que um desenho animado para crianças se ocupe de temas como violência urbana e intolerância nos diz bastante sobre nossa época. Os personagens fofinhos de Zootopia, assim como quase todos os humanos de carne e osso (e não apenas em Porto Alegre), se sentem vulneráveis e desprotegidos diante de um mundo cada vez mais violento em diferentes níveis. Temos medo de tudo – do assaltante, do terrorista, da crise, do clima, da tecnologia – e não reconhecemos mais nos nossos governos a capacidade de nos proteger dessas angústias cotidianas. Bauman afirma que estamos vivendo um momento de "interregno": um mundo em que muita coisa desandou (partidos, cultura política, debate público...) e ainda não está muito claro o que virá ocupar o seu lugar.
Neste ambiente de incertezas e instabilidade, é natural que os discursos de ódio venham à superfície com mais frequência. É uma tentação reduzir todos os problemas à oposição entre presas e predadores, cidadãos do bem e cidadãos do mal, nós e os outros. Da selva viemos e sabemos muito bem como agem os animais selvagens. O desafio é continuar acreditando no delicado verniz de civilização e bom senso que ainda nos impede de nos devorarmos uns aos outros em plena rua. Ou sentar e ver a floresta pegar fogo.