Na maior parte do tempo, minha relação com futebol e tudo que o cerca é como aquela do morador de uma rua muito barulhenta que, para efeitos de sanidade mental, aprende a não escutar o ruído dos ônibus, a sinfonia errática das buzinas, a algaravia dos ambulantes. Mesmo cercado pela poluição sonora, o habitante do ambiente ruidoso desenvolve, ao longo do tempo, a capacidade de criar em torno de si uma espécie de cordão de isolamento sanitário – rompido, muito raramente, por algum evento mais estridente do que o usual.
É o que acontece comigo com notícias esparsas sobre futebol. De vez em quando, por um motivo ou outro, acabo tomando conhecimento de algum evento isolado – uma cotovelada mais brusca, uma briga de torcedores, uma vitória ou derrota especialmente comentada. No resto do tempo, navego pela vida como se não tomasse conhecimento da paixão que mobiliza a maior parte das pessoas com quem convivo. Eles lá, eu aqui – em convivência cordial e republicana.
Nesse meu mundinho de alienação esportiva voluntária, jamais me passaria pela cabeça, obviamente, adentrar por vontade própria no porão mais sórdido da paixão futebolística – as caixas de comentários das matérias de esporte na internet. Seria como andar na Rua da Praia, às duas da manhã, com um iphone 6 dourado na mão: um suicídio moral. Mas, na semana que passou, sem que eu quisesse, as caixas de comentários vieram até mim. Ocorre que os Stones se apresentaram em um estádio de futebol e apenas isso foi suficiente para que a matéria virasse assunto de interesse das torcidas – em um disparatado deslizamento temático que parece absolutamente normal para os habitantes da galáxia esportiva.
A banda, o show, o repertório, a empolgação da plateia, tudo do que tratavam as reportagens sobre a passagem dos Rolling Stones por Porto Alegre rapidamente se tornou secundário diante da magnitude do debate que se estabeleceu em seguida: qual estádio, Arena ou Beira-Rio, era mais merecedor do epíteto "chiqueiro". Sim, vocês dirão, esse xingamento é mais velho do que a bola, mas a antiguidade da ofensa não diminui o estranhamento do estrangeiro.
Como uma criança que chama o amiguinho do bobo antes de atacá-lo a dentadas receberia o pito do adulto mais próximo, os torcedores raivosos deveriam ser constrangidos por todos os outros que valorizam o fair play e a rivalidade saudável e franca. Infelizmente, não é isso que acontece. Nem no futebol, nem na política.