Nesses dias de ânimos e sorrisos murchos, apatia é quase felicidade. Não estar chocado, indignado ou amedrontado já nos causa aquela efêmera sensação de alívio que nos permite seguir tocando a vida adiante na expectativa de intervalos um pouco mais longos de esperança e confiança no futuro. Portanto, abra bem os olhos e os ouvidos: mais do que nunca, é preciso estar atento aos menores motivos de satisfação disponíveis. Se não dá para esperar que a crise se evapore de uma hora para outra, não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar qualquer sinal de refresco no horizonte.
O toboágua, por exemplo: enorme e bem-vindo refresco - real e simbólico. Mesmo quem não chegou nem perto da Mostardeiro no último fim de semana foi contagiado pela excitação de Porto Alegre em torno da novidade. Nada mais simples, e maluco, do que instalar um brinquedo de água bem no meio de uma avenida em geral movimentada. Em tempos mais ordinários, talvez a brincadeira não fosse recebida com tamanho entusiasmo e adesão. Mas, em 2015, em meio ao lodo condensado de baixo astral e violência que vaza todos os dias para dentro das nossas casas e das nossa vida cotidiana, o alegre e inusitado toboágua serviu para enxaguar a cidade com um jato de leveza e molecagem. (Sim, houve gente que achou por bem reclamar que as pessoas estavam se divertindo com bobagem, que onde já se viu, e coisa e tal. Esses casos mais agudos de mau humor e azedume, infelizmente, nem toboágua de sal grosso resolve.)
Meu refresco no fim de semana foi menos concorrido do que o toboágua - mas você pode desfrutar ainda esta noite se quiser. Aconteceu em um cinema lamentavelmente vazio, sábado, assistindo ao documentário Chico - Um Artista Brasileiro (clique aqui para ver o trailer).
Um filme tão simples e sofisticado quanto um concerto com banquinho e violão: uma entrevista bem conduzida, o repertório de Chico Buarque valorizado por bons intérpretes e grandes arranjos, rico material de imagens garimpado em arquivos de vídeo de diferentes épocas. Foi o suficiente para eu sair do cinema não apenas satisfeita com o filme, mas naquele estado de graça e iluminação que só nos encontra quando somos tocados (e nos deixamos tocar) pela beleza.
Música, poesia, cinema, arte. São nesses toboáguas da alma que a gente encontra consolo, conforto, alegria e até algum alívio para o baixo astral. Como canta um certo artista brasileiro, contra fel, moléstia, crime, use Dorival Caymmi, vá de Jackson do Pandeiro.
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