Eu me dei Paris de presente. Há exatamente uma semana, faltando mais ou menos seis meses para o meu aniversário de 50 anos, entrei em uma agência de viagens e comprei as passagens para a festa. Meu plano é passar dois meses na cidade sem nenhum outro plano a não ser estar lá, tomando um copo de vinho, quando a idade vier me encontrar. Meia-noite em Paris. Não pretendo fazer nada além de caminhar, visitar museus e tomar café em mesinhas na calçada, olhando as moças e moços apressados da rua - eles passando, eu passarinho. Não importa que a cotação do euro me obrigue a passar dois meses a pão e queijo, nem que Paris tenha se tornado uma cidade muito mais caótica desde a primeira vez em que estive lá, há quase 30 anos. Paris sempre será a minha festa.
Como milhões de pessoas de todas as partes do mundo e de várias épocas da História, aprendi a amar a capital dos franceses não apenas como se ama uma cidade bonita, mas como se preza o símbolo de uma determinada visão de mundo. A cultura, a gastronomia, a moda e a história são importantes, mas o que torna Paris uma espécie de capital mundial das ideias e do pensamento é o fato de que ali a civilização ocidental sonhou a melhor versão de si mesma. Se a Grécia criou a democracia, a França inventou o jeito de colocá-la em prática. Inventou Montaigne, os iluministas e a "joie de vivre" de desfrutar a experiência humana em um mundo regulado pela razão e não pela fé - o único sistema, aliás, que possibilita que cada um possa viver a sua fé sem precisar dar satisfação a ninguém.
Evidentemente, tudo que torna a França adorável para muitas pessoas é motivo de ódio e ressentimento para outras tantas. Para quem odeia a inteligência, a liberdade e o prazer de viver, Paris não é uma festa, e sim um lembrete incômodo da miséria da própria existência. Quando Hitler desfilou pelas ruas da Paris ocupada, seu triunfo não era apenas o de conquistar mais um território, mas o de humilhar a concepção de mundo iluminista que ele acreditava estar derrotando. Paris não era uma cidade, era um símbolo.
Terroristas, como os nazistas, adoram apropriar-se de símbolos. Explodir o World Trade Center ou matar jovens que se divertem em um show de rock é sua maneira de se vingar dos prazeres que a liberdade ocidental não apenas possibilita, mas proporciona. Erram ao tomar a parte mais visível da nossa civilização como a sua essência. A "joie de vivre" que tanto os perturba é apenas uma parte do que significa adotar como lema e ideal conceitos como igualdade, fraternidade e liberdade - que, mesmo quando não são mais do que isso, ideais, são muito melhores do que tudo aquilo que a eles se opõe.
Somos todos franceses quando colocamos a razão acima da fé, a inteligência acima da obediência, a ciência acima da superstição, a luz acima das trevas. Que o mundo inteiro vele para que as luzes de Paris nunca se apaguem.