Bacon, salsicha, linguiça e presunto estão sendo fritados - não como as batatas e os bolinhos de chuva, mas como políticos que correm o risco de perder o mandato e cair no ostracismo. O estudo da Organização Mundial de Saúde que colocou alimentos processados ("sabidamente carcinogênicos") e carnes vermelhas ("provavelmente carcinogênicas") na companhia de cigarro, bebidas alcoólicas, amianto e exposição solar apenas confirmou uma tendência que já vinha ficando evidente nos últimos anos: a comida é o novo tabaco.
Da mesma forma como as campanhas antitabagistas conseguiram transformar leis e hábitos nos últimos 30 anos, estamos assistindo a uma acelerada mudança de cultura em relação ao que comemos - e principalmente ao que deixamos de comer. Do cardápio do McDonald's às festinhas de criança, passando pelo churrasco de domingo e o pão nosso de cada dia, essas mudanças já estão instaladas na nossa rotina. O espírito da época é fechar a boca e abrir os olhos: tem agrotóxico? entope as veias? destrói a natureza? maltrata os animais? é glúten-free?
Essa nova consciência em relação à comida pode estragar o apetite de alguns e limitar o cardápio de outros, mas não é de todo ruim. Saber é melhor do que não saber quando o assunto é saúde e preservação do planeta. Nesse sentido, não adianta ter nostalgia da inocência perdida porque é impossível voltar ao almoço de ontem. O problema é que os estudos sobre alimentos que causam doenças são muito menos conclusivos do que aqueles que demonstram, por exemplo, os malefícios do cigarro. Há muitas pesquisas, mas essa abundância de informações, muitas vezes contraditórias, acaba criando angústia e abrindo um enorme espaço para o sensacionalismo, a desinformação e até mesmo para uma espécie de mitologia em relação à comida, opondo veganos e carnívoros, naturebas e glutões, magrelas e rotundos, como se um lado encarasse o outro como uma turba de infiéis que deveria ser convertida o mais rápido possível.
Infiéis? Convertidos? No livro The Gluten Lie, lançado neste ano nos Estados Unidos, o estudioso de religiões Alan Levinovitz apanha essa conversa no ar e mostra que tem se tornado cada vez mais comum o uso de vocabulário moral ou religioso para falar de comida. Para o autor, muito da relação que as pessoas têm com a alimentação pode ser explicado através de padrões de pensamento religioso, e os argumentos para escolher comer carne três vezes por dia ou apenas alface costumam ser mais filosóficos ou éticos do que médicos ou científicos.
Pense nisso na hora de tentar convencer alguém a comer - ou deixar de comer - algo.