Os pais de antigamente tinham o incontestável talento de assustar os filhos.
Das lendas urbanas, a que eu mais temia era o Velho do Saco, uma variação do bicho-papão.
Sua caracterização genérica, indeterminada, apenas vinculada a uma idade avançada e um acessório, amedrontava ainda mais. Poderia ser qualquer pessoa vindo na nossa direção: um morador de rua, um carroceiro, um vizinho, um representante comercial, um vendedor de enciclopédia, um amolador de facas. Não havia uma restrição social nem um retrato falado mais detalhado — não ter rosto não deixa de ser uma boa definição da angústia.
O Velho do Saco tampouco apresentava parentesco com o sobrenatural, como a Cuca ou o Saci, personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Não envolvia feitiço, nuvens ou aparição mágica.
Demonstrava ser humano, real, possível, verídico, gente como a gente, com uma maior facilidade de se disfarçar na multidão e surgir de uma hora para outra.
E todo mundo usava saco de estopa na época: ou para pinhão, ou para lenha, ou para alimentos adquiridos na Ceasa. Tratava-se de um artigo comum.
Cabe lembrar que os armazéns vendiam seus mantimentos a granel, em sacas depositadas no chão: feijão, arroz, café, farinha. O cliente empunhava uma concha de metal para separar o conteúdo e pesá-lo na balança.
Não sofríamos com medo de sequestro, de assalto, de violência nos anos 70. A cautela se valia de produtos da imaginação paterna ou materna.
Criava-se pânico com os cachorros a partir das carrocinhas. Já com as crianças, utilizava-se o recurso dessa figura andarilha, que recolhia meninos e meninas perdidos e desobedientes pela cidade.
A intimidação nos impelia a não permanecer de bobeira na rua, a não nos distanciar dos pais durante um passeio, a não nos distrair com alguma banca de revista, ou com a paisagem, ou com a bola rolando pelos jardins e escadas.
— Atenção, olhe por onde anda, senão o Velho do Saco vai te pegar — os pais nos alertavam.
Tive uma série de pesadelos com o Velho do Saco. Eu me despertava de madrugada, gritando, com as roupas completamente empapadas, no momento em que ele me ensacava e eu mergulhava no escuro do tecido.
Jamais perguntei o que ele carregava — estava na cara. Óbvio que eram crianças. Nem entrava em pormenores para não fazer xixi na calça. A curiosidade se acovardava em aprofundar o assunto.
Interessante que os pais não contavam histórias dele, não esmiuçavam sua coleção de vítimas, resumiam-se a atestar a sua presença. Reinava uma contenção proposital para aumentar a sensação de perigo.
A aflição vinha do mistério, do suspense, do que não se dizia. Não saber nada a respeito dele nos aterrorizava em dobro.
Casualidades favoreciam o assombro. Quando um colega mudava de bairro e saía da escola, os pais falavam que ele havia sumido porque talvez tivesse sido levado pelo Velho do Saco.
Assim crescíamos rapidamente, comíamos tudo do prato, tomávamos banho jamais reclamando, escovávamos os dentes sem nenhum pio, realizávamos os temas com capricho, íamos dormir como ovelhinhas.
A impressão que tenho é que atropelei a minha infância, encurtei a minha infância, para fugir do Velho do Saco.