Já fui dublê de amigo em sessão de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre. Era 2006.
Paulo Scott lançava seu livro de poemas A timidez do monstro, pela editora Objetiva.
Eu me encontrava na fila esperando o autor. A sessão estava marcada para um domingo, às 18h. Transcorridos trinta minutos da abertura de seu corredor e de sua plaquinha com o nome, afixada no Pavilhão Central, não havia sinal dele. Decidi lhe telefonar.
Ele parecia nervoso:
— Eu estou na estrada, tentando chegar até aí, mas tem um engarrafamento de feriado.
Somente respondi:
— Dou um jeito para acalmar a turma, fique tranquilo e venha com segurança.
Ele não entendeu a literalidade do meu recado.
Não pensei duas vezes. Para ninguém ir embora, eu me sentei na sua mesinha e comecei a atender o público como se fosse ele. Alguns conheciam o autor de rosto, mas aceitaram a esdrúxula camaradagem. Outros não o conheciam e levaram o meu garrancho para casa como se fosse o dele. Aliás, eu exerci a encarnação de modo convincente, assinava na maior cara de pau como “Paulo Scott”. Não titubeava. Seu espírito vivo baixou em mim. Eu ainda posava e sorria para as fotos. Só me faltava o charme para reproduzir o seu olhar 43, de quem comprime as pálpebras para seduzir de esguelha.
Paradoxalmente, foi meu único momento na vida como escritor sério. Em seguida, voltei ao descrédito sendo novamente Carpinejar.
Devem existir testemunhas com fotografias e dedicatórias dessa ocasião em que agi como sósia e falsifiquei assinatura. Não sei como a Câmara Rio-Grandense do Livro não me puniu por fraude.
Paulo surgiu depois de quinze minutos da minha atuação canhestra e do meu frenético atendimento. Mesmo estranhando o burburinho, a confusão, o diz-que-diz, não percebeu na hora o que eu havia aprontado em sua ausência. Ele assumiu a sua fila e seguiu recepcionando as pessoas, como se nada tivesse acontecido.
Nossa festa da literatura apresenta histórias maravilhosas e causos engraçados. São 70 anos de peripécias e façanhas.
Neste sábado (9), às 19h, escrevo mais um capítulo de minha jornada na Praça da Alfândega.
Vou receber os leitores para autografar meu novo livro Se eu soubesse, um retrato da geração de 40 e 50 anos, uma geração analógica sobrevivente à tecnologia, uma geração à beira da extinção (jamais existirá uma igual), que mandou cartas, usou orelhão, gravou fitas cassete, realizou curso de datilografia e penou com a agulha do toca-discos arranhando o vinil.
Os primeiros cem autógrafos ganharão meu guardanapo poético, exclusivo. Todos, sem exceção, ganharão demorado abraço.
Apareçam antes, passeiem com os parentes e amigos pelas 72 barracas! (Até porque a minha mãe Maria Carpi, às 15h, assinará o seu lançamento O Lugar do Corpo, abrindo a rodada familiar).
Dessa vez, não serei penetra. Ou talvez seja, pois estou muito diferente daquele rapaz de 18 anos atrás. Eu mudei radicalmente. Sou muito menos passional. Em compensação, muito mais amoroso.