Por que os filhos adultos não gostam da visita dos pais?
Não tem nada a ver com ingratidão.
Ou com falta de saudade.
Ou com ausência completa do espírito de acolhimento e hospitalidade.
Ou com diferenças de geração.
Ou com descomprometimento na família.
Ou mesmo com anseio por privacidade.
É que os pais não conseguem não mexer em tudo. São de uma natureza bisbilhoteira. Nasceram para a blitz, para a intromissão, para o controle. Vivem de um lado para o outro da residência, procurando faxina ou problema. Não sossegam se não realizam a inspeção. Conferem se as cortinas estão puídas, se o sofá se encontra manchado, se avulta algum sinal de cupins nos armários e de traças nas roupas. Vistoriam as lâmpadas queimadas, as janelas emperradas, o vencimento dos alimentos na geladeira.
Há dentro deles uma voltagem irrefreável por reforma, por revolução, por golpe de Estado.
Não compreendem ou reconhecem o seu papel de visita. Colocam o parentesco vitalício na frente de sua condição provisória.
Há um desejo paterno e materno de ainda mostrar utilidade, de despertar um sentimento antigo de dependência, e não se cansam de tirar os objetos de lugar sob o pretexto de que estão arrumando e ajudando.
Os pais consideram que qualquer ordem distinta das suas métricas é bagunça. Não entendem que os filhos foram criados por eles, mas não são eles, não são suas extensões, e mantêm seus próprios hábitos.
Jamais aceitam que os filhos são independentes e livres da imitação. Continuam enxergando suas crias, já emancipadas, como suas crianças.
Eu, por exemplo, apareci no apartamento do meu filho. Passei uns dias lá.
Vi uma caixa na área de serviço, pensei com os meus botões que era lixo e que Vicente estava com preguiça de levar para o subsolo do prédio. Quis fazer a cortesia de despachar.
Estranhei que tinha um baú de acrílico dentro.
— Ué, será que ele não viu que iria jogar fora uma caixa tão boa?
Mas concluí que deveria apresentar algum defeito, e que ele deveria estar ciente disso. Respeitei o caráter descartável do amontoado de papelão, e botei o conjunto inteiro na lixeira. Arejei o ambiente daquela tralha.
Quando ele voltou da universidade, questionou:
— Você viu a embalagem que deixei na área?
Eu sorri, satisfeito com os meus préstimos.
— Levei para baixo.
Ele não pareceu nem um pouco animado com a minha gentileza.
— Era um produto que veio errado, e separei para a troca.
Em nenhum momento, cheguei perto dessa hipótese. Jamais cogitei que se tratava de uma devolução. Sempre partimos do óbvio e cometemos as nossas maiores mancadas. Gerei um prejuízo gratuito. Ele não tem mais o que trocar.
Antes de agir, antes de promover um favor para os filhos, respire pausadamente, contenha o ímpeto, espere o retorno deles e execute um tira-teima. Pergunte o que significa cada objeto.
Ou simplesmente aprenda a existir sem interferir em nada.