Somente um instituto de pesquisa previu o resultado das eleições americanas: AtlasIntel.
Todos os outros apontavam um empate, com vantagem para Kamala Harris.
A vitória de Donald Trump se mostrou retumbante, tanto em números absolutos (50,9%) como na composição dos delegados (312), à frente nos sete estados-chave do pleito. Não há margem para discussão. Os republicanos voltaram ao poder, e Trump se fortalece para o seu segundo mandato com maioria na Câmara e no Senado.
Diante de tamanho desvio nos prognósticos e frustração das expectativas dos democratas, costuma-se recorrer à justificativa do voto envergonhado da direita. Seria um voto que não é confessado nas enquetes.
Mas, convenhamos, pode-se dizer tudo da direita, menos que é envergonhada. Ela é implacável, audaciosa e orgulhosa do seu ponto de vista. Não conheço nenhum conservador que não encha a boca para pregar as suas razões.
A direita é muito mais ativa nas redes sociais, nos grupos de mensagem, na divulgação de notícias favoráveis ao seu escopo. Não é nem um pouco tímida, nem um pouco receosa: banca as causas conservadoras como quem defende o teto da sua família.
Ouço com estranheza quando o argumento para erros de pesquisa é o de que o eleitor retrógrado dissimulou a sua intenção.
Não é verdade. A direita também se apresenta com uma unidade maior. Prospecta simpatizantes com facilidade, não pedindo a eles nada em troca, apenas o apoio. É ecumênica, não realiza uma varredura biográfica e pessoal para oficializar adesão. Aceita, inclusive, vira-casaca, quem trocou de lado, quem era antes do âmbito progressista.
Seus interesses estão acima dos seus defeitos.
Já a esquerda quer que você pense e se comporte de modo semelhante. Exige coerência e imersão, carteirinha assinada e fidelidade aos temas. Existe uma autofagia que merece investigação, um purismo extremista. No primeiro deslize verbal, no primeiro mal-entendido, um colega das trincheiras se torna um inimigo. A própria esquerda abomina parte de sua comunidade, designando-a como “esquerdo-macho” e produzindo perigosas dissidências.
Ela é feita de facções e de terminologias incompreensíveis para o grande público. “Identitarismo”? “Metodologias interseccionais”? Capacitismo? Como é possível se sentir incluído na política se o eleitor se sente excluído na linguagem?
Não duvido que decorram daí a antipatia e a rejeição para seus candidatos e propostas. A impressão que dá é que você precisa se preparar para ser de esquerda, num elitismo que não combina com a proteção das minorias.
O eleitorado indeciso não se vê espelhado, não se vê retratado, não se vê contemplado.
A direita é pragmática. Ainda que brigue entre si — por exemplo, Marçal e Nunes em São Paulo ou Caiado e Bolsonaro em Goiânia —, não condena os eleitores alinhados no mesmo campo ideológico. As rusgas se mantêm na esfera das nomeações. Quando um nome se sobressai, a oposição interna se cala, e as diferenças vão para baixo do tapete.
Isso explica no Brasil o efeito Kassab nas eleições municipais e o sucesso do Partido Social Democrático (PSD) com a conquista de 887 prefeituras (cinco capitais), sendo o partido com o maior número de prefeitos eleitos em 2024. O fundador do PSD, Gilberto Kassab, é um cacique invisível, nem aparece, move-se nos bastidores, articulando coligações numa postura moderada, ou seja, apoiando distintos governos, independentemente de sua corrente.
O voto envergonhado talvez seja hoje o da esquerda, que jamais se satisfaz com o seu representante, que parece apenas votar no menos pior, sem arrebatamento, sem fazer campanha.