Quando os pais comprarem qualquer bugiganga para sua residência, qualquer eletrodoméstico ou brinquedo grande, recomendo se desfazerem sumariamente da caixa de papelão.
A tradição é armar um mistério, prolongar o suspense até o pequeno não aguentar mais, registrar o espanto com vídeo e fotografia, deliciar-se com as risadas da festa e as caretas da alegria.
Mas, de modo nenhum, abram o embrulho na frente da criança. Já tratem de desovar rapidamente o lixo na área de serviço, não deixando pistas ou rastros de sua existência.
Minha produtora Débora Tessler não seguiu o meu conselho. Ela e seu marido Maicon desempacotaram a nova cadeirinha de bebê no meio da sala, dispostos a fazer uma surpresa para Stella, 1 aninho, que teria um assento ultramoderno e protegido, com suporte para mamadeira, no banco traseiro do carro.
A menina nem deu bola para a novidade, apenas se interessou em entrar na caixa de papelão. Assim a placenta do mimo ficou para sempre.
O que pareceu um acampamento divertido para todos no primeiro dia virou uma casinha permanente no resto do mês. Os pais já estão pagando IPTU pelo puxadinho.
Stella não quer sair de dentro dela. Reconhece em suas abas o portão de seu palácio, com direito a pintar as paredes com giz de cera. É uma princesa da sucata. Leva sua cobertinha, seu travesseiro e sua boneca para o interior de sua improvisada caverna. Não vê mais graça em seu berço, seu chiqueiro, sua cadeirinha de comer. Vive em seu território da fantasia, indo e vindo. Sestas e cochilos são arranjados com a inclusão de travesseiros naquele chão de fábrica. Lanches e papinhas são realizados com adultos se agachando no esconderijo e propondo perigosos aviõezinhos em voos rasantes com as mãos — a esquadrilha de fumaça do prato de comida, com piruetas e giros da colher devido ao difícil acesso.
O que a criança mais deseja é dar utilidade e significado ao que não tem serventia.
O casal recém tinha feito uma reforma no apartamento, para tirar as tralhas de vista. Agora é obrigado a dividir o espaço com um Pterossauro de papel perto da televisão, um espigão do lado do sofá. O que gastou em decoração já não vigora mais. Recebe visitas daquele jeito, com a geringonça no centro. Toda tentativa de despejo foi em vão, toda chantagem foi negada, toda troca por algo melhor foi rechaçada com gritedo e mobilização popular.
Stella reina em seu faz de conta. O que a criança mais deseja é dar utilidade e significado ao que não tem serventia. Adora sobras e restos que possam gerar mímica e imitação da vida adulta. Não se importa com a funcionalidade dos pertences, com a duração, com os benefícios diretos. Reaproveita cascas e embalagens.
Não há como explicar o apego nessa idade de formação. Jamais saberemos o que Stella enxerga daquele módico quadrado com seus olhos de milagre.
Débora e Maicon precisarão conviver com o assentamento irregular. Até quando? Até a próxima caixa de papelão, até a próxima casa pré-fabricada.