Não dá para chamar de herança a dilapidação de um estado inteiro.
É uma sina, um fardo, uma cruz que carregaremos para a próxima década.
Não existe lado bom na tragédia.
O maior desastre ambiental do Rio Grande do Sul, que atingiu 431 dos nossos 497 municípios em maio, acarretando meio milhão de desabrigados, seria suficiente para acabar com qualquer esperança de grandes eventos até o fim do ano.
Até porque boa parte das vítimas não foi realocada, e as promessas messiânicas de reconstrução imediata terminaram barradas na burocracia.
Eram de se prever um hiato de vendas, um fair play de realizações, talvez um voo de galinha na economia devido à injeção financeira momentânea do auxílio do Governo Federal.
Por isso, ninguém esperava que fosse possível concretizar a Expoagas. Não havia nem o teatro do Centro de Eventos da Fiergs, profundamente avariado pela cheia. Foi levantada uma arena no estacionamento, evitando assim a mudança do tradicional local para sediar a maior feira de supermercados do RS. Eu participei como um dos palestrantes, e me emocionei com a mobilização dos associados e varejistas formando uma plateia lotada, atenta e interessada. Apesar do escasso tempo desde a calamidade — só três meses —, o encontro encerrou com mais de 63 mil visitantes e R$ 704,8 milhões em negócios concretizados entre compradores e expositores, num crescimento de 8% em relação à edição passada.
Igualmente, ninguém imaginava que a Expointer, também em agosto, bateria recordes, logo na retomada após a enchente.
Parecia que tocava dentro dos visitantes, na vitrola do coração, aquela canção resiliente do músico nativista pelotense Leopoldo Rassier:
“Não podemo se entregá pros home
De jeito nenhum, amigo e companheiro
Não tá morto quem luta e quem peleia
Pois lutar é a marca do campeiro”.
A agropecuária gaúcha finalizou a edição de 2024 com mais de R$ 8,1 bilhões em negócios, com destaque para o setor de máquinas e implementos agrícolas, que faturou R$ 7,3 bilhões em produtos comercializados.
Superou-se a marca de R$ 7,9 bilhões de 2023. Ou seja, houve um acréscimo de 1,41% em comparação com o ano anterior, caracterizado pela normalidade.
Como explicar tal façanha, tão impactante crescimento?
Sem ainda contar com o aeroporto Salgado Filho funcionando, sem ainda contar com as estações de trem de Porto Alegre funcionando, uma hipótese é que o interior compensou o público de fora e da capital. O povo do interior desceu em massa para Esteio, e manteve vivo, pujante e pulsante o Parque Estadual de Exposições Assis Brasil. Somamos quase 700 mil visitantes em 9 dias. Embora não tenhamos alcançado a marca de público de 2023 — 818.943 pessoas—, não ficamos nem um pouco longe.
Descortina-se um ponto de vista heroico e combativo de nosso empresariado.
O aclamado desfile do cavalo Caramelo, ícone dos resgates, encarnou e traduziu a nossa vontade insana de recuperação. Afinal, aquele animal esquálido, triste, desnutrido, abandonado, que resistiu num telhado de Canoas por vários dias, abaixo de chuva e de vento, aparecia revigorado, de pelagem brilhante, com 50 quilos a mais do que na época do socorro. Nosso campeão moral dividiu as atenções com bicampeão da feira, o touro Hudson, da raça Limousin, reconhecido como o mais pesado da Expointer, com 1,45 tonelada.
Já era um outro cavalo, já somos um outro estado. Pelo menos, em nossa motivação.