Todo mundo tem um objeto maldito, que sempre desaparece.
A reincidência é absurda. Some uma, duas, três vezes e você não cansa de comprar.
Como diz a poeta americana Elizabeth Bishop: acostume-se com a arte de perder. Perder, ao longo dos anos, deixa de ser um mistério. Você passa a perder algo todo dia.
Você é campeão de extraviar o quê? Boné, óculos de sol, casaco, celular, canetas, brincos, chaves, controle remoto da televisão, do portão?
Não há quem não perca a cabeça junto.
A minha esposa é colecionadora de caixinhas de AirPods. Ela solta os fones em território misterioso e ignoto — pensa que ficaram no bolso de uma jaqueta, numa bolsa, numa mochila, no porta-luvas do carro, mas nunca estão lá— e conserva aquelas ostras brancas de recordação, sem mais nenhuma pérola para colocar nos ouvidos. Fones viraram seu presente fixo do Dia dos Namorados.
Quando criança, eu só esquecia guarda-chuva. O tempo abria, o sol vinha, a utilidade dele acabava, e eu o abandonava num canto qualquer.
As garrafinhas térmicas de água (nada baratas) e os copos isolantes para manter o café aquecido são meus guarda-chuvas da vida adulta.
Eu não consigo preservá-los. Sequer com hipnose sou capaz de melhorar a minha atenção. Ocorre um bug do sistema nervoso, uma falha geral que me impede de lembrar de trazê-los de volta para casa.
Já estou na minha quinta garrafinha. Vivo repondo a sua ausência, pois é um item obrigatório para a academia e viagens. O pessoal da loja me conhece: “lá vem ele de novo!”.
Deveria existir uma promoção: depois da quinta garrafinha perdida, ganhe uma de graça.
Variei o produto de cor, buscando controlar a sua existência, cristalizar a necessidade, curar-me do desleixo e da distração, mas eu sempre largo no console do Uber ou do táxi, na academia, no balcão de um comércio ou na mesa de um restaurante.
Quando me dou conta de que perdi, corro para reaver e então constato o que jamais entenderei da nossa cultura do desrespeito: nunca está onde deixei. Ninguém pegou. Ninguém viu.
Como uma pessoa toma para si algo que não é seu? Como ela se apropria de um bem que não lhe pertence? Qual o descaramento para usar sem culpa nenhuma? Não tem educação? Não possui decência? Não vale aquela regra de não fazer com o próximo o que não gostaria que fosse feito com você?
E quem leva embora o artigo alheio, na maior parte dos casos, não é um pé-rapado, desfruta de condições financeiras, estabilidade, segurança familiar. Simplesmente, quer lucrar com a casualidade. É alguém que, ao cruzar conosco pela rua, jamais nos despertaria desconfiança pela aparência.
Em países escandinavos (Noruega, Suécia, Dinamarca), você pode se descuidar da sua carteira, largá-la num banco de praça, e vai estar no mesmo lugar horas depois. Nem precisa se desesperar. Apesar de ser um ambiente público, com fluxo constante de pedestres: não se mexe naquilo que é do outro.
Tente agir assim num parque, num shopping, num cinema, num teatro da sua cidade.
Ainda não absorvemos uma lição básica de cidadania: achado é roubado.