O Sarau Elétrico completa 25 anos, e sou o convidado especial nesta terça-feira (30), às 20h, no bar Ocidente, ao lado dos anfitriões Katia Suman, Luís Augusto Fischer e Diego Grando, com canja musical da cantora Izmália.
O evento é um fenômeno sobrenatural de leitura. Um milagre. Um acontecimento cultural.
Integra o imaginário porto-alegrense. Dificilmente você encontrará vivente que nunca tenha ido. É como não ter provado o cachorro do Rosário, o PF do Tudo pelo Social, o sanduíche da Lancheria do Parque, o bauru do Trianon. É como nunca ter experimentado um xis na vida.
O público paga 40 pilas para ouvir livros.
Não há nada semelhante no país.
Dentro de uma casa noturna, acostumada a baladas, abre-se espaço semanalmente para um sarau, para que três amigos, sentados em banquetas altas num palco, repassem trechos de suas leituras prediletas.
Não são performances, não são esquetes: trata-se de um recital à moda antiga.
Pela iluminação à luz de velas nas mesas, retorna-se magicamente ao século 19.
— É o único evento regular, e o mais longevo do Brasil. Nunca carecemos de público, nunca deixamos de fazer— destaca Katia.
Já ocorreram 1.100 apresentações, já foram lidos aproximadamente cinco mil textos dos mais diferentes autores pelo trio de personalidades.
Cinquenta mil pessoas passaram pela sua bilheteria, mais do que a lotação do Beira-Rio ou da Arena.
Desde 1999, antes mesmo dos audiobooks, do Spotify, dos podcasts, a voz é a protagonista.
No ambiente de alta concentração, de afinadas emoções, não espere desavisados, tagarelas, perdidos, paraquedistas, gente sem noção. Ninguém trava conversas paralelas ou chega para fofocar. É o momento sagrado para escutar uma hora de narrativas e poemas.
— As pessoas vão para ouvir. O silêncio é letal. Se alguém fala alto, recebe censura dos outros — explica Katia.
Certamente a oralidade do projeto aumentou a média de leitura na capital gaúcha. Seus efeitos colaterais são notórios: despertou a curiosidade por novos nomes da literatura e ampliou o debate sobre tabus de comportamento.
Além de contar presencialmente com cerca de cem testemunhas privilegiadas, o encontro é transmitido ao vivo pelo YouTube, em @saraueletrico, com a audiência de mais de mil internautas.
Existe um tema para nortear a escolha das obras, para garantir ordem à inspiração, para regrar a locução literária. Não se foge do assunto da noite, que pode ser fossa, ou solidão, ou recomeço, ou amizade, ou cancelamento, ou exílio, entre tantos.
— Já teve de tudo, haja criatividade para pautas — ri Katia.
Os frequentadores assíduos formam uma comunidade de amor às letras. Correm boatos de que vários casamentos começaram ali, na mais profunda quietude, só na base da piscadela e do olhar cúmplice.
Estiveram no palco as mais distintas atrações, de Los Hermanos ao escritor português Gonçalo Tavares. O Sarau Elétrico, inclusive, alcançou a proeza de receber quatro vezes o tímido Luis Fernando Verissimo, num tetracampeonato de uma presença rara, já que o cronista é famoso pela discrição e recato.
Pergunto para Katia se falta convidar alguém.
— Ah, sim, o Caetano Veloso podia aparecer lá.
Quem sabe o cantor leia o apelo e se dê de presente no aniversário de um quarto de século do Sarau Elétrico.