Não se deve rezar para futebol. Mas cometi a blasfêmia.
Não aguentava mais a abstinência de títulos desde 2016. Não aguentava mais a espera por um Brasileirão há 45 anos — até o Galo já saiu da fila. São nove vice-campeonatos ao longo da história da competição.
Um novo vácuo na Copa do Brasil redundaria em 33 anos de seca por esse troféu, a idade de Cristo na cruz.
Eu sentia que a minha esperança vinha sendo torturada ano após ano, com o mesmo enredo de troca de técnico no segundo semestre, com pré-temporada inutilizada, ressuscitando lanternas na zona de repescagem, tomando gols nos acréscimos, não conseguindo fazer mais de um gol por partida. Estava cansado de sofrer de modo previsível. Ser colorado beirava uma insanidade, só a fé justificava não largar de mão. Adoecia a cada final de semana de raiva.
Fui conversar com Deus antes do tira-teima com o Juventude, que decidia a vaga para as oitavas de final da Copa do Brasil. No ano passado, caímos para o América-MG. No ano retrasado, caímos para o Globo FC. Em 2021, caímos para o Vitória. Carregamos duas finais fracassadas — 2009 e 2019.
Solicitei um desconto da dor, a realização de um milagre, já que amargávamos uma desvantagem do primeiro jogo com derrota de 2 a 1 para o bravo e combativo clube da serra gaúcha, e o segundo confronto seria no Alfredo Jaconi.
— Tira a minha touca, por favor. Me dá uma prova do amor divino.
Orei desesperadamente, mas não surtiu efeito. Juventude alcançou o empate de 1 a 1 e a merecida classificação.
De noite, amargurado, invoquei o Santo Pai para entender o motivo de não ter concedido esse milagre para nós, colorados, tementes a Deus, povo sofrido, povo que jamais desocupa o estádio, que grita e incentiva apesar da vontade de vaiar.
— Por que nos abandonaste, Pai?
E um clarão se abriu no céu de Porto Alegre. Uma voz tonitruante ecoou em meus ouvidos beatos:
— Eu precipitei a queda do técnico Eduardo Coudet, para romper a mesmice.
— Eu enviei uma cerração por mais de uma hora e meia no horário da rodada, para evitar a derrota, e ainda assim teimaram em jogar.
— Eu possibilitei um pênalti no início do segundo tempo, e vocês desperdiçaram.
— Eu cavei um novo pênalti, e vocês novamente bateram mal.
— Sem saber mais como ajudar, porque uma terceira penalidade iria evidenciar a minha marmelada, eu fiz de tudo para anular o segundo pênalti. Chamei atenção do VAR para a invasão do zagueiro do Juventude.
— Pensei que era pouco para uma formação tão apática, tão fraca de psicológico, tão distante do segundo gol. Armei uma confusão danada com invasão de torcedor, sacrificando o anjo Alan Ruschel. Expulsão absurda, pois aquele bom rapaz tampouco queria machucar o torcedor, apenas tentava proteger o atacante de vocês. Porém o Inter não levou a decisão para os pênaltis nem com um a mais em campo. Não posso jogar futebol por vocês. Desculpa, ruindade tem limite. Gastei seis milagres à toa, então não venha dizer que não atendi à prece. Enquanto não forem gratos com as oportunidades, nunca serão campeões outra vez. Colaborei bem mais do que o justo. Agora preciso acudir aos torcedores gremistas e providenciar que passem facilmente pelo Operário, já que eles estão achando que sou colorado.