Em coluna desta semana, eu destaquei que o olho é melhor do que o celular, e que o aparelho em nossa vida só vem causando amnésia. Você não se lembra mais de nada porque estava filmando ou fotografando ao invés de exercitar a emoção da memória.
Não mais tentamos recordar algo, um livro, um filme, o nome de alguém. Já procuramos rapidamente o socorro do Google. Nosso tempo é de muletas para as lembranças. Não suportamos o lapso, não andamos com as nossas próprias pernas e sinapses.
Uma leitora, Maria Angélica, escreveu-me que concordava com o meu ponto de vista. Entretanto, ela relatou que me viu no espetáculo de Bibi Ferreira em 2017, e que eu não desgrudava do celular, a ponto de atrapalhar os outros, a ponto de sua amiga, sentada atrás de mim, bater no meu ombro para pedir mais decoro, já que eu estava atrapalhando a visão dela.
Logo respondi que não era eu, que jamais fui a uma apresentação de Bibi Ferreira, mesmo gostando muito dela. Expliquei que deveria ser um sósia — costumo receber mensagens de pessoas que me viram em Sorocaba ou Lisboa, apesar de eu não estar lá. Não tenho como controlar o comportamento dos meus clones.
Maria Angélica insistiu: era eu.
“Tenho até uma foto do espetáculo da Bibi, o último dela em POA, onde aparecem a tua pessoa e a tua esposa. Talvez não lembres, tal o envolvimento com o celular que não lembres... Foi a última apresentação dela... aqui, linda de vermelho, uma noite de inverno frio... Sinto muito, mas foste, sim...”
Eu não me lembrava de nada. Perguntei a minha esposa, que também não se lembrava. Comecei a ficar nervoso com a situação. Solicitei a foto para Maria Angélica.
Afinal, como poderia ser capaz desse apagão da turnê de despedida da saudosa cantora e atriz Bibi, aos 95 anos?
Em vez de enviar a imagem, a leitora foi além: trouxe ainda mais detalhes assustadores da minha discutível presença. Sua descrição aumentou a minha insegurança com a minha sanidade.
“Foi em 2017... Bourbon Country e eras tu, pois quando adentraste à plateia, uma pessoa dirigiu-se a ti cumprimentando e pedindo autógrafo. E um jornalista da RBS, bem conhecido, foi em tua direção e vocês dois se cumprimentaram, e se abraçaram, e conversaram...”
Eu me encontrava diante de um mistério. Será que teria sido abduzido por esse monstro da virtualidade, ou um dublê merecia um prêmio de atuação, pois cumprimentava conhecidos e tirava selfies em meu lugar sem ser desmascarado?
Parei tudo o que estava fazendo no dia para catar vídeos no meu celular velho.
Vocês não vão acreditar, mas Maria Angélica tinha razão. Localizei cenas gravadas da diva Bibi Ferreira, no show Por Toda a Minha Vida, com o repertório contendo unicamente músicas brasileiras.
Aquela versão do Fabrício, há sete anos, não mais me representa. Já fui meu sósia piorado.
O celular assistiu ao derradeiro canto de cisne de Bibi, eu não.