Se alguém nos cobra hábitos saudáveis, esperneamos. Achamos que não conseguiremos, que não daremos conta, seja ao iniciar uma dieta por recomendação médica, seja ao largar um vício ou um prazer conhecido.
Temos um condicionamento refratário à mudança.
Acreditamos que ela acontece poucas vezes em nossa vida. E todo fim de ciclo é custoso, dolorido, contrariado.
Nem percebemos que somos naturalmente camaleônicos. É da nossa natureza evoluir, aparar, corrigir, descascar a pele.
As transformações são mais comuns do que imaginamos.
Toda vez que você troca de perfume, é um outro eu que pede espaço. Você não é mais o mesmo. Alguma ordem foi rompida em sua rotina.
Não é só porque você deseja variar de marca, ou porque se enjoou da fragrância, existe um apelo emocional para ser diferente. Não ocorre a substituição do perfume impunemente. Uma parte da sua personalidade não faz mais sentido. Quer um objetivo distinto. Quer uma postura distinta. Talvez apimentar o casamento, talvez ser mais expressivo no trabalho, talvez se aproximar mais da família ou dos amigos.
Algo no seu mundo interior manda um aviso exterior. São comandos: “altere o seu cheiro!”, “despiste os mais próximos!”, “cause uma segunda impressão!”, “despeça-se de quem era!”, “modifique-se para atender a seus propósitos!”.
É como se atualizássemos a nossa carteira de identidade sem termos consciência.
Vivemos recebendo cartas do nosso coração.
Ou você pensa que corta o cabelo de repente por um capricho estético? Acorda, encara a sua imagem no espelho e decide ir ao salão do nada?
Pelo contrário, é um vagaroso amadurecimento que culmina com a ideia de tirar o volume ou aparecer com um penteado oposto ao seu padrão dominante.
Houve uma pré-jornada, uma agitação de expectativas que duraram meses, investigando possibilidades, olhando fotografias, revistas, pessoas, modas, tendências, até formalizar um caminho para o seu temperamento agora inédito.
Busca não ser visto de igual maneira, já que se sente mudado internamente. Emerge uma necessidade de indicar pela aparência os desdobramentos da sua essência. É um sintoma da sua metamorfose.
Assim funciona quando realizamos tatuagens ou renovamos o guarda-roupa por completo. A alma vai exigindo cascas compatíveis com as recentes aspirações e atitudes.
Uma das maiores transformações espirituais é pintar o cabelo. Você deixa de ser loiro para ser moreno, deixa de ser moreno para ser loiro, deixa de ser como nasceu para assumir um tom ruivo. É quase uma ressurreição.
Ninguém atravessa o processo químico por curiosidade. Ninguém aguenta o cheiro da amônia para fazer um simples teste. Trata-se de uma experimentação mais profunda que assinala a ruptura de um modo de ser. A despigmentação do fio é antes a despigmentação de uma crença. Ou acabou a relação, ou acabou a fase de um emprego, ou acabou uma submissão, ou acabou uma dependência. É a passagem para a etapa seguinte, a consagração de uma nova perspectiva.
O multiverso se manifesta desde sempre dentro de nós. Quantas versões de si mesmo já acumulou ao longo da existência?