Amigo é tão raro quanto um amor.
Você terá pouquíssimos amigos fiéis ao longo da vida. São suas fortalezas, seus ferrolhos, seus segredos guardados, o silêncio perene da confiança.
Não falam mal de você para os outros, somente reservadamente para você mesmo. As críticas são privadas e temperadas com uma palavra de incentivo para aliviar o travo de amargura.
Banalizamos a amizade como se ela fosse artigo comum e farto na rotina.
É fácil conhecer alguém, o difícil é a permanência dessa pessoa ao nosso lado. Alguns contatos não prosperam, apesar da simpatia do encontro. Não temos como explicar o motivo da ausência de continuidade. Talvez simplesmente não era para ser. Os telefonemas param, as mensagens ficam esparsas e não há como retomar o entusiasmo do início. O encanto se quebra com o vácuo.
E temos amigos tão verdadeiros que, diante de um tempo sem conversa, jamais nos desligamos deles. Porque existiu antes tamanha entrega e reciprocidade que nem a distância mais arrefece.
É como se tivéssemos transposto a rebentação do mar e atingido as marolas calmas e serenas da intimidade. Boiamos agora na alma e no fluxo do pertencimento. Não seremos mais tragados pelas ondas violentas. Saímos do raso da cordialidade.
Acredito que, depois de compartilhar experiências cruciais, a cumplicidade jamais se quebra. Vigora uma lealdade pela existência afora.
Quando a conexão alcança um ponto específico de troca, um determinado estágio de evolução dos laços, o caminho é apenas de ida. Não se volta na catraca. Não tem como perder a amizade. Virou eterna.
Você pode brigar com o amigo, pode discutir com ele, mas sempre sobrará espaço para o entendimento. Atravessaram juntos perdas, separações e privações, que aumentaram a tolerância de um com o outro. São mais capazes de se perdoar porque se conhecem a fundo, respeitando as limitações e os defeitos mútuos.
Esse amigo é definitivo, parte indissociável da sua família pela antiguidade, pelos conselhos dados, pelo sépia das fotografias.
As novidades não serão mais importantes do que o legado. Nenhum novo acontecimento vai desajustar o encaixe complementar de temperamentos.
Ainda que não ocorra a proximidade física constante, ambos se mantêm atentos e prontos para um eventual socorro. Ressurgem nos momentos de maior necessidade, antecipando qualquer pedido de ajuda.
Partilham de uma sintonia fina para detectar ruídos da dor, ou estranhezas de comportamento, ou sinais públicos de que o seu companheiro não está se sentindo bem e precisa da exclusividade do amparo.
Aquele amigo que segura forte a sua mão e não solta é o que aguentará a alça da morte e da saudade no seu enterro.