Eu estudei em escola pública.
Mantive a mesma turma da 1ª à 8ª série (o Ensino Fundamental durava oito anos na minha época). Quando um colega se mudava para uma nova cidade, era um escândalo de fofoca. Velávamos a cadeira vazia como se fosse um morto.
O pânico de rodar de ano correspondia a perder a turma com que nos acostumamos desde o egresso do jardim de infância.
Estávamos ligados por um coleguismo inquebrantável, pela cumplicidade de sucessivos recreios, excursões a pontos turísticos e competições esportivas.
Meus pesadelos com a repetência seguiam o mesmo roteiro: entrar na sala de aula sem conhecer ninguém.
Não escolhíamos a escola pelo método de ensino, mas pela proximidade de nossa residência. Assim meninos e meninas das mais diferentes classes sociais conviviam harmoniosamente. Havia uma disparidade de condições financeiras que não trazia constrangimento, já que usávamos uniforme escolar.
Eu ia a pé para a Imperatriz Leopoldina. Ficava a três quadras de nossa casa. Se eu esquecesse algum livro ou caderno, ainda contava com a chance de dar meia-volta e recuperar o material. Não passava pela cabeça dos pais o luxo de levar os filhos de carro para a aula. Dezenas de estudantes apareciam caminhando, com a mochila nas costas, pontualmente, pelas 7h, numa procissão azul e branca.
Nunca questionávamos a qualidade dos professores. Podíamos gostar ou não gostar de um deles, mas de modo nenhum desrespeitá-lo.
— Gritar com ele, jamais!
— Discutir com ele, jamais!
— Levantar a voz, jamais!
— Aproximar-se sem pedir licença, jamais!
— Ir ao banheiro sem permissão, jamais!
Saíamos do lar com essas regras de ouro. Para falar, levantávamos a mão e aguardávamos ser vistos.
Atualmente, os professores são espancados, agredidos, insultados, sem segurança alguma, vítimas de enfrentamentos ideológicos e perseguições nas redes sociais.
A disciplina na minha formação acontecia não apenas pelo medo, por temer o Serviço de Orientação Educacional e o bilhete com caneta vermelha de advertência ou suspensão que poderia ser enviado para a família, mas porque nutríamos uma devoção pela profissão.
O professor irradiava uma aura de mestre experiente, de fazedor de caminhos.
O professor irradiava uma aura de mestre experiente, de fazedor de caminhos. Tanto que entregávamos rosas, flores, bolos e frutas para ele antes do início da aula, homenagens diárias pela vida dedicada ao nosso crescimento.
É paradoxal recordar a estratégia que os pais adotavam para estudarmos mais: a ameaça de nos colocar em escola particular.
— Se continuar matando os temas, indo mal nas provas, vou te matricular em colégio particular!
Logo nos debruçávamos novamente nas lições para não correr risco de uma transferência.
Hoje a chantagem seria exatamente oposta. Feliz tempo em que as escolas públicas eram melhores do que as particulares.
É até impensável acreditar que um dia já existiu tal reverência pela educação gratuita.