Antes mesmo de limitar o horário do celular das crianças, vejo como imprescindível restringir o tempo de uso do aparelho pelos pais.
O celular virou babá dos adultos, cardápio de pessoas e lugares. Você se julga onipresente na virtualidade e comete uma ausência irreparável diante dos seus entes mais próximos na vida real.
Os filhos podem fiscalizar o vício, já que os pais extrapolam o senso do aceitável.
Não são as crianças que ficam o tempo todo no celular, elas apenas seguem os exemplos paterno e materno.
Recebem o celular de presente para não incomodar seus pais entretidos com os seus celulares. É uma distração inventada pelos responsáveis sempre ocupados.
Os pais tomam café com o celular, almoçam com ele, jantam com ele, interrompem passeios para atender chamadas, numa disponibilidade integral aos estímulos externos.
E jamais relatam o que de tão importante estão fazendo, porque nem eles sabem.
Você abre as redes sociais sem um objetivo definido, para descobrir o que você procura enquanto desliza os dedos. De tela a tela, acaba em lugar nenhum, a ponto de não entender como parou no perfil daquela pessoa.
Vê a postagem de um amigo, entra na página da namorada dele, daí passa para a página do amigo da namorada, daí segue para a página da mãe do amigo da namorada , daí migra para a página da amiga da mãe do amigo da namorada.
Trata-se de uma quadrilha digital jamais imaginada por Carlos Drummond de Andrade.
É mentira que exista o hábito de navegar na internet para estar bem informado. Depois de horas zapeando, você não se lembra de coisa alguma. A memória se desintegra automaticamente. Como lapsos de uma bebedeira feita de imagens e links.
A pressa é um embuste. Se você responder alguém no minuto em que recebeu a mensagem ou após duas horas, não fará diferença. O destinatário vai ler quando quiser. Experimenta-se uma noção falsa de importância pessoal e profissional pela simultaneidade dos contatos.
Se você responder alguém no minuto em que recebeu a mensagem ou após duas horas, não fará diferença.
Não há mais rotina offline: acariciar as costas do outro, olhar nos olhos, abraçar na chegada ou despedida de casa, fazer algum gracejo aproveitando o gancho de uma conversa, dar uma caminhada com os ouvidos livres e o rosto voltado para o céu.
A exigência de música no fone para qualquer percurso roubou a nossa escuta. A inclinação em torno da luz azulada brilhando na mão roubou a nossa visão e a nossa postura.
Surgirá uma mensagem mais urgente do que a família. Surgirá uma ligação mais inadiável do que o seu lar. Porque sua prioridade é o celular, mais ninguém. Como se todos os seus afetos morassem dentro dele, não fora dele.
Só um minutinho hoje pode durar uma vida inteira.
Qualquer um pode acessar o tempo que dedica ao telefone por dia, no
símbolo da ampulheta de Ajustes (iOS) ou no símbolo do coração de Configurações (Android).
Não estranhe que a estatística resulte em dezoito horas diárias.
Representa uma intoxicação. O único momento em que não vem empregando o aparelho é na hora do sono: as seis solitárias horas de sono.
Se o filho quiser falar com o pai e com a mãe, terá que ser apenas quando eles estiverem dormindo, e ainda precisará torcer para que sejam sonâmbulos.