Não eram as histórias que a minha mãe contava que me faziam dormir.
Ficamos com a impressão de que a voz dos pais acalma e enternece as crianças.
O sonífero não vem nem do timbre, muito menos dos enredos das obras infantis, mas da respiração pausada da leitura.
A soletração materna provocava o meu sono na infância. Porque ela lia com tanta paciência que eu chegava a ouvir o seu silêncio, as suas longas pausas, as suas reticências.
As vírgulas e os pontos finais de cada frase me tranquilizavam, me davam abertura para desacelerar e fechar docemente as pálpebras.
O sonífero não vem nem do timbre, muito menos dos enredos das obras infantis, mas da respiração pausada da leitura.
Assim como podemos apressar o cochilo de um bebê em nosso colo apenas respirando alto, sem a necessidade de cantigas de ninar. Assim como adormecemos junto do bebê na cama ouvindo o seu chiado manso de chaleira em fogo baixo.
Os cães, inclusive, nos procuram no quarto pelo mesmo motivo. Eles se aquietam aos nossos pés não pela quentura das cobertas e da nossa pele, mas ao escutar os acordes do nosso sono profundo.
Mais do que aplicativos de chuva ou de mar, o som da respiração derruba qualquer insone. Até porque o barulho de chuva e das ondas são derivados sequenciais da nossa respiração. É igual andamento monocórdio do inspirar e expirar, de dentro para fora, de fora para dentro. A repetição das ondas vindo e voltando ou das gotas quicando nas calhas são parte do grande nariz do universo.
Chego a essa conclusão porque não consigo trair a minha esposa assistindo a filmes ou a séries depois que ela dorme. Bem que eu tento consumar o adultério cultural e acabar o que comecei, mas meus ouvidos são invadidos pelos seu ronronar ao meu lado.
É irresistível. É implacável. É arrebatador. Supera a imitação do bocejo.
Sua respiração no outro lado vai me hipnotizando, vai me serenando, vai me agasalhando. É um calor da existência amada que depõe as armas da adrenalina.
Nem se eu buscasse um café, retardaria o meu desenlace.
Ergo as costas, pego mais um travesseiro e não adianta: logo estarei roncando de óculos, sentado, congelado na minha posição de vigília.
Entre o sono dela e o meu, deve existir a diferença de alguns minutos.
Quando Beatriz apaga, o quarto realmente escurece. Eu sou influenciável pelo ritmo suave de suas narinas. É o meu maior tranquilizante, o meu melhor antidepressivo.
Por mais que lute contra o descanso, ainda o considerando uma perda de tempo, enredado numa crença adolescente que ainda não me desapeguei, por mais que queira me concentrar nas legendas da telinha, aquela melodia me embala e embaça os meus olhos.
Eu me sinto protegido sabendo que ela vive. É a sua vida que me enche de mansidão e me dá segurança para relaxar.
Dormir não é um ensaio da morte, porém da confiança de um casal. Pois estamos sintonizados na frequência cardíaca, eu me vejo correspondido, guardado, acarinhado, aninhado.
Eu pouso mais do que durmo. Ou talvez, com medo de dirigir os meus pesadelos de noite, eu venho tomando carona nos sonhos dela.