Quando morre alguém com mais de 85 anos, não somos tocados pelo mesmo pesar, pela mesma compaixão. Não nos afeta tanto. Não nos escandalizamos com o obituário. Não mergulhamos no pasmo e no espanto de querermos logo descobrir como aconteceu o desenlace. Internalizamos a causa natural.
Costumamos justificar que viveu bem, que viveu muito. A velhice parece ser um atenuante para o fim.
Como se o luto de um ente querido na terceira idade doesse menos, já que ele teve a sorte de viver por um longo tempo.
Na morte, somos sempre crianças, não importando a idade ou o tamanho do caixão. Sempre terá sido cedo.
É um preconceito, ou talvez uma defesa moral contra o impacto do luto.
Justamente devido à longevidade de quem ama, você é capaz de sofrer o dobro. Tem mais memória para lembrar, tem mais momentos juntos para sentir falta, tem mais experiências em comum.
A figura se mostrava com tamanha pontualidade, com tamanha assiduidade em seu dia a dia, que você nem acreditará no seu repentino desaparecimento.
Acabará vítima de uma avalanche emocional, soterrado pelo vazio. Lágrimas virão aos borbotões, pesadas como cristais.
Quanto mais vive uma pessoa, maior o nosso apego, maior a fortuna que ela nos deixa de gestos e palavras.
O repertório para a saudade será gigantesco, terá um baú de cenas inesquecíveis, um testamento imenso de lições, um relicário de detalhes da convivência, um manancial de conselhos, passando por manias até registros inteiros de conversas.
Por isso, sentimos tanto a partida de um vô ou de uma vó. Jamais naturalizamos as suas despedidas. São abruptas e inconsoláveis, mesmo que eles já tenham um histórico de doenças e de internações. A razão não sustenta o coração, a previsibilidade não suaviza o choque.
Apesar da consciência da finitude deles, não estaremos preparados para enfrentar a profundidade de suas lacunas.
Representam nossas raízes, com seus tentáculos de ternura espalhados por baixo do chão de nossos princípios.
Não se tem noção de até onde as raízes se estenderam dentro de nós. E se atravessaram, de modo subterrâneo, ruas inteiras da nossa personalidade?
Só podemos enxergar a árvore, a aparência da árvore, não as raízes. Elas tornam-se visíveis unicamente após o tombamento do tronco.
A constância dos laços, portanto, aumenta a tristeza do adeus. Você se acostumou com aquela presença. Até a julgava eterna. É difícil admitir que ela não estará mais aqui oferecendo o conforto de um abraço ou o aconchego quente das mãos dadas.
Na morte, somos sempre crianças, não importando a idade ou o tamanho do caixão. Sempre terá sido cedo.