Nos anos 80, era Sócrates no futebol e Isabel no vôlei, Sócrates em São Paulo e Isabel no Rio de Janeiro, Sócrates no gramado e Isabel na quadra. As duas personalidades mais politizadas do esporte, precursores na defesa da redemocratização do país. Rompiam a geleia geral, o papel passivo de símbolos atléticos, para assumir publicamente posições ideológicas.
A partir do exemplo de ambos, acabou a neutralidade dos ídolos diante das injustiças sociais. Jogadores passaram a falar sobre o país, a reivindicar eleições diretas e a contestar o regime militar, não se restringindo a comentários sobre derrotas e vitórias no fim das partidas.
Sócrates fundou a Democracia Corinthiana, já Isabel, revelada pelo Flamengo, foi a primeira mulher a atuar na Europa, no time Modena, da Itália, abrindo as portas para a valorização internacional dos passes do nosso vôlei feminino.
De musa das quadras a ativista, seu nome converteu-se em sinônimo de emancipação e pioneirismo. Atuou nas Olimpíadas de Moscou (1980) e Los Angeles (1984), estimulando a profissionalização da seleção brasileira rumo às medalhas de ouro décadas depois. Também foi uma das precursoras do vôlei de praia. Ao lado de Roseli, em 1994, ganhou uma etapa do Circuito Mundial nas areias de Miami (no seu pescoço, reuniu seis medalhas em mundiais). Ao encerrar a longa carreira, virou treinadora. Recebeu homenagem em 2016, sendo uma das escolhidas para carregar a tocha olímpica no Rio, cidade-sede dos Jogos e sua terra natal.
Sucessora de Leila Diniz no desafio aos tabus, magricela atrevida nos bloqueios e cortadas, falava alto com técnicos e dirigentes, não levava desaforo para casa, casou e descasou superando preconceitos da época e normalizou a figura materna no ambiente profissional comparecendo aos treinos com seu bebê no colo (engravidou aos 17 anos).
Pois Isabel Salgado — ícone do mar e da liberdade, guardiã do posto 9 de Ipanema, atacante letal de 1,80 m, primeira jogadora de vôlei na capa da Veja, popularizando o esporte — não está mais entre nós, onze anos depois do adeus de Sócrates.
Não há maior prova de sucesso do que ter os passos seguidos pelos filhos, porque muitos são os casos de celebridades odiadas pela família.
É a demonstração de que teoria e prática andavam juntas, jogavam juntas.
Isabel se despede deixando um time dentro do lar para continuar sua militância de amor ao voleibol. Dos cinco filhos dela, três — Maria Clara Salgado, Pedro Solberg e Carolina Solberg — se tornaram atletas.
Ela inventou um novo jeito de protestar. Sem gritos, sem escândalos, apenas rindo, ironicamente. Aquelas covinhas dobravam qualquer intolerância.