O que a ausência do uso da vassoura pode desencadear no nosso discurso, nos nossos hábitos mentais?
Hoje, raramente erguemos a vassoura para limpar a casa: há feiticeiras, aspiradores de pó, robôs.
Isso faz com que não enxerguemos mais a sujeira da nossa semana, os nossos defeitos, as nossas camadas de imperfeição.
Parece que desapareceram as dificuldades ou arestas para a manutenção dos vínculos. Os ambientes são refeitos com celeridade, sem muito esforço. Perdemos a oportunidade de notar a influência de nossa presença na vida dos outros.
É uma automatização que nos põe a pensar menos nas nossas condutas e decisões. Somos mais impulsivos e refratários às adversidades. Somos mais ansiosos e menos presentes.
Não esticamos os travesseiros na janela para pegarem sol, não investigamos os cantos do sofá e da geladeira, não reparamos nas falhas do piso e do carpete. Desfrutamos da residência, não mais a habitamos como antes.
É uma desmemória, como se morássemos num hotel, sabendo que não precisamos ajeitar nada. Terceirizamos os nossos conflitos. Não lidamos com o enfrentamento dos nossos erros e impurezas.
Quando empregávamos a vassoura, predominava uma continuidade da ação. Uma mentalização do conjunto a ser faxinado, dividido em etapas. Você tinha que vasculhar todos os aposentos e recolher a poeira em montinhos. A atividade culminava num exame de consciência para se livrar dos pensamentos imundos, dos palavrões e das ideias nocivas.
Sem vassoura, a pazinha não tem serventia nenhuma, tampouco a ajuda final de uma parceria na transferência dos ciscos e dos farelos para o lixo. Não dependemos de mais ninguém, abrindo espaço para um individualismo exacerbado.
Vejo que os diálogos domésticos não têm mais aquele ciclo básico da limpeza: ouvir, analisar e depois dar a opinião. Não há mais paciência de escutar alguém, o seu testemunho, a sua experiência, a sua tristeza. Você já sai falando aquilo em que acredita, aspirando o que há pela frente de desconforto, deduzindo emoções alheias. Prefere se desvencilhar do problema rapidamente a entender a sua gravidade.
Temos soluções antes de prestar atenção na particularidade de cada dor.
Se um amigo sofre alguma crise, se um familiar arca com alguma depressão, se um filho experimenta alguma desilusão, agimos de modo genérico, colocando tudo para dentro do saco dos aspiradores de pó (o substituto atual de colocar a sujeira debaixo do tapete).
Não queremos enxergar os danos. Não temos tempo a perder. Não nos responsabilizamos.
Carecemos de uma boa e antiga vassourada nas relações. As bruxas é que eram sábias.