Apesar da exuberância criativa e da representatividade internacional, o Brasil jamais recebeu um Nobel. Mais de 600 prêmios já foram dados a quase mil pessoas e instituições pela Academia Sueca de Letras, Comitê Nobel Norueguês, Academia Real das Ciências da Suécia e Instituto Karolinska desde 1901.
Nossos países vizinhos já contam com o galardão: Argentina tem cinco prêmios, sendo dois da Paz; Chile e Colômbia têm dois; Venezuela e Peru têm um. Na língua portuguesa, Portugal marcou presença com José Saramago.
Qual é o nosso complexo de vira-lata? Não é por falta de fortes candidatos ao longo dos anos. Na literatura, poderiam ter vencido Ferreira Gullar, Drummond, João Cabral, Jorge Amado, Erico Verissimo, Guimarães Rosa, Cecília Meireles e Jorge de Lima. Na Medicina, houve descobridores de vacinas e de tratamentos como nunca na história: Carlos Chagas, Vital Brasil, Antônio Cardoso Fontes, Adolfo Lutz, Oswaldo Cruz e Manoel de Abreu. Na Física, gênios passaram pelos nossos trópicos: César Lattes e Mário Schenberg. Na Química, tampouco ficamos atrás: Otto Gottlieb e Johanna Döbereiner.
Somos uma população de caranguejos, puxando aquele que se sobressai para baixo. Colocamos a ideologia acima da bagagem cultural.
Na Paz, desfrutamos de lideranças de fenômenos religiosos e sociais como Marechal Rondon, Chico Xavier, Irmã Dulce, Dom Hélder Câmara e Herbert de Souza. Nesse caso, entende-se a exclusão, pois o Nobel da Paz prioriza quem é responsável pela pacificação de conflitos e mediação de guerras.
O que nos põe fora do mapa-múndi das grandes realizações da arte e da ciência não é resultado, portanto, de escassez de méritos, mas da ausência de unanimidade dentro do nosso país. Não vendemos o nosso peixe, devolvemos para as profundezas recônditas do oceano. Nossas mentes mais prodigiosas não são consensuais nem dentro do nosso território.
Somos uma população de caranguejos, puxando aquele que se sobressai para baixo. Colocamos a ideologia acima da bagagem cultural.
Se Chico Buarque fosse indicado ao Nobel de Literatura pelos seus romances, pelo seu conjunto cancioneiro, pelo valor lírico de suas letras de música (assim como Bob Dylan), metade do Brasil poderia ser contra, já que ele é petista. O governo seria capaz de contestar a escolha, avisando que ele não traduz a nossa intelectualidade. Nem para o Prêmio Camões — distinção literária conjunta entre Brasil, Portugal e África —, que Chico alcançou em 2019, houve apoio institucional. O Palácio do Planalto se negou a assinar o certificado ao músico e escritor.
O mesmo calvário de oposição interna sofreria o pedagogo e padre Júlio Lancellotti numa corrida para o Nobel da Paz. Ele realiza incansável e surpreendente trabalho assistencial para moradores de rua em São Paulo, é idealizador das Casas Vida I e II (criadas originalmente para acolher crianças portadoras do HIV), tornou-se um exemplo de caridade além-fronteiras, mas tem um probleminha: é vinculado à esquerda. Sequer um abaixo-assinado com milhões de apoiadores sufocaria o que dizem as vozes oficiais a respeito dele.
O boicote não se restringe à esquerda. Nossos cientistas, pensadores ou artistas conservadores e liberais também encontrariam igual resistência.
O fundador da Embraer, ex-presidente da Petrobras e Varig, Ozires Silva, 91 anos, jantou em Estocolmo com três membros do comitê que define os vencedores do Nobel anualmente, e fez a pergunta sobre a inexistência da premiação a brasileiros. Um deles respondeu:
“Os brasileiros são destruidores de heróis. Vocês jogam pedras nos candidatos brasileiros que aparecem, diferentemente de outros países, em particular dos Estados Unidos. Não tem apoio da população. Parece que o brasileiro desconfia do outro ou tem ciúmes do outro”.
Estamos sempre atrasados na hora de patentear para a humanidade os nossos talentos extraordinários.
Por isso, o padre Roberto Landell de Moura realizou a primeira transmissão radiofônica do mundo em 1893, e a criação do rádio foi atribuída ao sérvio Nikola Tesla.
Por isso, em 1906, Santos Dumont conseguiu fazer com que o 14-Bis levantasse voo por meios próprios, e a invenção do avião foi creditada aos irmãos norte-americanos Wright, que dependeram de uma catapulta para impulsionar o seu aparelho.
Há brasileiro que acredita até hoje, por exemplo, que Pelé não foi o maior jogador de todos os tempos.