O Pix terminou o fiado. O Pix acabou com a desculpa de “amanhã, eu pago”. O Pix soterrou o uso do dinheirinho. O Pix sepultou o adiamento e a esperança do esquecimento da dívida contraída. O Pix resolveu o constrangimento das tentativas falhadas do cartão de crédito.
Pensei que nunca veria ninguém reclamar desse pagamento instantâneo, sem taxas, que aboliu os intermediários da vida. Afinal, nosso Mario Quintana já dizia que não há nada que substitua o sabor da comunicação direta.
Só que o Pix tem bagunçado os casamentos. Ninguém mais pode mentir quanto recebe. Ninguém mais pode fazer caixa dois em casa. Ninguém mais pode desviar recursos para a passionalidade do consumo.
O Pix sepultou o adiamento e a esperança do esquecimento da dívida contraída. O Pix resolveu o constrangimento das tentativas falhadas do cartão de crédito.
O Pix registra as movimentações de centavos do marido ou da esposa. Ainda mais se eles têm conta conjunta.
Não importa se o trabalhador é autônomo ou empregado. As quantias são verificáveis.
Não existe mais como ganhar um trocado por fora e usar livremente, invisivelmente, para a cervejinha com amigos ou amigas. A generosidade da saideira está extinta.
Um taxista em Porto Alegre não parecia muito feliz quando me passou seu CPF para o depósito imediato. Aliás, até estranhei quando, ao completar a operação, surgiu o nome de uma mulher. Perguntei se o número realmente conferia com o dele.
Ele confirmou, cabisbaixo:
– Sim, é da minha esposa.
Os reais foram diretamente para o crédito matrimonial.
O motorista me explicou que não sobra coisa alguma para lanches, bares, casualidades. Apostas e vícios se encontram hoje fora de cogitação. Ele volta cedo para o seu lar, derrotado pelas aparências, a tempo de assistir a Pantanal no sofá.
O lazer solitário morreu. A individualidade sucumbiu com o novo cartão-ponto digital.
Toda entrada e saída do fluxo tem que ser explicada. Toda compra feita por ele passa pela perícia e auditoria da convivência a dois.
Antes, as corridas eram pagas com dinheiro, e ele reservava a maior parte para o orçamento doméstico. Agora tudo vai para as roupas e o estudo dos filhos, para a comida na mesa, para as contas fixas, para as prioridades. Não há mais nenhuma mesadinha pessoal. Não resiste no fim do mês um residual para o supérfluo, para as bobagens, para a gula da madrugada.
Você trabalha dia e noite em favor da transparência total do amor. É um outro patrão, muito mais rigoroso do que o taxímetro.
O Pix aniquilou com a nossa gorjeta.