Temos uma noção de que, quando o amor acaba, ele foi o primeiro sentimento a morrer. Não foi.
Eu vejo que o amor é o último a ir embora. O último a abandonar o coração. É a derradeira fronteira do desapego.
Primeiro, morre a admiração. Você não tem mais o outro como exemplo. Nem como contraponto de suas atitudes. Ele é estranhamente comum, banal, desfalcado de atrativos. Nem os defeitos parecem graves, nem as virtudes parecem marcantes. É uma opacidade sem graça. Você começa a deixar escapar a oportunidade para polemizar, antes jamais desperdiçaria um debate.
Há uma preguiça de existir, de render assuntos. Você já não quer convencer de que tem razão, ou explicar o seu ponto de vista. A oposição é absorvida pela indiferença, pela neutralidade. Está exausto de repetir histórias desde o início, de tanto que é interrompido.
Não tem mais o brilho dos olhos para buscar o corpo do seu par no escuro, para dormir de conchinha. Vira para o seu lado e permanece imóvel.
Suspende a coreografia da necessidade, da atração. Para de se mexer na cama, de se movimentar, de procurar abraços, de encostar os pés, de entrelaçar as mãos. Você se desligou até da conexão do sono, da entrega generosa da cabeça para o tronco, do encaixe no colo protetor.
Como uma concha arremessada para as margens da praia, exibe a completa solitude da areia, longe do mar e do frêmito das ondas.
Em seguida, a confiança parte. Você não confia mais no outro para dividir confidências e suas alegrias. Não é que esquece suas urgências, mas não tem vontade de socializar. Nota agora que sequer o óbvio é compreendido. Depende de grandes manobras verbais para alcançar o mínimo de comunicação. Desiste até de tentar. A indisposição transforma qualquer divisão de tarefas domésticas em favor.
Não vigora mais aquela ânsia de expor uma novidade ou transmitir uma preocupação. A pessoa é um contato a mais – não representa uma prioridade. Vai caindo do pódio das conversas mais frequentes do WhatsApp. Você faz questão de chegar tarde em casa para não esbarrar em nenhuma pergunta, para não ter que contar como transcorreu o seu dia, para seu vazio não ser pego em flagrante.
Quando você perde a admiração, vêm a irritação, a implicância, as discussões tortuosas por bobagens. Não é ouvido com interesse e não desenvolve, portanto, paciência para ouvir.
Quando você perde a confiança, vêm o silêncio incômodo e perturbador, as omissões, o laconismo. Suportam-se no mesmo ambiente sem mais falar entre si.
Depois, é a esperança que se despede. Você vê que há mais passado do que futuro na relação. As saudades são antigas, cada vez mais arqueológicas, como se partissem do girar pesado de uma manivela. Precisa se esforçar para lembrar momentos bons.
Você passa a pensar e sentir o mundo de um modo tão diferente do de sua companhia que não existe mais tradutor possível. Somem as afinidades, as hipóteses dos programas a dois. Já se projeta fazendo tudo sozinho, viajando sozinho, atravessando as férias sozinho.
Quando a admiração, a confiança e a esperança já saíram de casa, o amor apaga a luz, tranca a porta e joga a chave fora.