Não me espanta o casal que deseja esperar para ter relações sexuais só depois do casamento.
Não é para mim nenhuma aberração, nenhum anacronismo.
Estranho mesmo é um casamento sem amizade, sem intimidade, sem cumplicidade, sem uma troca longa de ideias, sem intercâmbio de projetos, sem confidência de experiências, sem valores morais em comum.
Casamento sem amizade é mais perigoso do que casamento sem sexo antes.
A amizade é a base do amor. A partir dela, alcançamos a admiração e a confiança. É o primeiro degrau de qualquer relacionamento. Tropeços virão se tentar pular esse nível básico e primordial.
A mera atração física e a satisfação momentânea da carne são elos muito rasos, muito superficiais para morar junto. Assumir um compromisso levando em conta minutos de prazer é desmerecer o imenso tempo restante em que estará na companhia do outro.
Relações nascem descartáveis, não se tornam descartáveis.
Casamento sem amizade é chamar um estranho para dentro de sua existência. É abrir a porta para o acaso.
Na paixão, você unicamente idealiza, não conheceu a pessoa. Reage a projeções e busca agradar a qualquer custo para conquistar. Não se mostra inteiramente. Vem forçando afinidades para ser aceito, a ponto de fazer coisas de que não gosta ou omitir coisas de que realmente gosta. Confunde contrato com termo de adesão.
Não surgiu perrengue algum para testar a lealdade, conflito algum para comprovar a confiança.
Se tudo em sua vida tem história, se todos os objetos preferidos são frutos do hábito, se você tem a sua caneca supersticiosa, a sua escrivaninha de estimação, o seu abajur favorito, do qual aprendeu a ajeitar a cúpula inclinada, por que trará alguém ainda sem significado para perto?
Amor requer paciência e maturação das uvas e dos gestos, até para se prevenir de roubadas e poder recuar e declinar do contato enquanto é possível, não precisando amargar a cadeira fria do fórum e o constrangimento do divórcio litigioso.
Por sua vez, romance passional só trará destruição e ressaca. Ao final, não entenderá como esteve ao lado de quem exclusivamente pensa o pior de você.
Convivência unicamente pelo instinto é como tomar banho sem sabonete, absolutamente desprovido de graça. Talvez limpe, mas não perfuma.
Não vale nada se dar bem na cama se não há o que conversar no sofá, na mesa de jantar, na varanda, se o silêncio é incômodo, se não há um respeito prévio das suas dores e tristezas, se não há empatia com as suas limitações, se não há compreensão carinhosa com as suas manias.
As crises de ciúme e de possessividade acontecem pela simbiose desde cedo, porque o par jamais ficou longe nem suportou a saudade. Não namorou devidamente. Não estudou e não observou a sua parceria. Não aceitou que ela tem o seu próprio mundo e as suas crenças. Não formou a independência com a distância. Não assimilou as dinâmicas diferentes das famílias.
Tenho a convicção de que posso viver meses sem sexo, mas não consigo viver um dia sem amor.