Fazia quase um ano e meio que o cantor e compositor Telmo de Lima Freitas, 84 anos, vencedor de festivais nativistas, não pegava o violão. A tristeza após a morte do grande amigo Reynaldo Goulart Correia, de São Borja, o impedia de cantar e tocar. A pedido da reportagem, o artista retomou sua paixão. Foram quase duas horas de gravação e muita conversa no seu sítio, em Cachoeirinha. Não faltaram histórias ao recordar a composição da música O Esquilador, vencedora da 9ª Califórnia da Canção Nativa, em Uruguaiana, em 1979.
Ao tac-tac das tesouras, em som parecido com o do martelo, Gildo de Jesus, 50 anos, calcula minuciosamente cada movimento das mãos ao retirar a lã de uma ovelha da raça merino australiano, em Bagé, na Campanha. À medida que a esquila avança, o velo (pelo que cobre o ovino) vai crescendo — chegando ao final com 10 quilos. Embora ainda usada em fazendas gaúchas, a tradicional tosquia a martelo abriu espaço nos últimos anos para o método tally-hi, realizado com máquina elétrica. Em São Gabriel, na Fronteira Oeste, Pedro Ubirajara De Goes, 36 anos, consegue esquilar até 80 animais por dia com ajuda da técnica australiana — mais prática e sem necessidade de manear (amarrar) os pés dos ovinos.
Retirada à tesoura ou à máquina, a lã, que no século 18 passou a ser usada em ponchos e pelegos, é destinada hoje à confecção de roupas finas — tendo a Europa como principal destino. A diferença, agora, fica por conta do melhoramento genético dos animais e da tecnologia na indústria têxtil.
— Tenho um carneiro, pai de boa parte do meu rebanho, com 15 micra de finura — orgulha-se Geraldo da Paixão Jesus, 72 anos, proprietário da Cabanha Nossa Senhora Aparecida, em Bagé.
Alcançar o fio delicado não é fácil, garante Geraldo. Foram pelo menos 15 anos de cruzamentos genéticos da raça merino australiano até atingir a espessura. A recompensa de todo o esforço vem no preço pago pela lã, em torno de R$ 20 o quilo, e nas premiações. São mais de mil troféus exibidos com orgulho pelo produtor — que herdou do pai a paixão pela criação de ovinos.
— Ele já estava velhinho e doente quando me disse: ninguém vai dar continuidade ao que trabalhei tanto. Aquilo me doeu e falei: não te preocupa pai, que vou tocar — lembra Geraldo, hoje aposentado do Exército.
O produtor não só tocou o negócio do pai como levou o nome da cabanha para o topo dos concursos da raça. Além das premiações regionais, conquistou três títulos de Grande Campeão da Expointer — em 2007, 2016 e 2017 — e, nas demais edições de que participou, chegou ao segundo lugar.
— A lã fina é hoje um dos melhores nichos no mercado rural — diz Geraldo, que neste ano não pretende vender o produto por menos de R$ 25 o quilo.
Valorização pela espessura
O valor alcançado pela Nossa Senhora Aparecida é bem superior à média do mercado — que remunera em torno de R$ 10 o quilo da lã da raça corriedale, que responde por mais de 60% do rebanho gaúcho. O Rio Grande do Sul produz cerca de 11 mil toneladas de lã ao ano — principalmente das raças merino australiano, ideal, corriedale e hampshire down. Esse número já foi bem maior, antes da crise mundial vivida pelo setor na década de 1980 — quando as lãs sintéticas (à base de petróleo) tomaram conta do mercado e a agricultura e a criação de gado passaram a abocanhar espaço da ovinocultura.
— No passado, a lã pagava todas as despesas, o produtor não se preocupava com a carne de cordeiro, quase não tinha consumo — lembra Paulo Schwab, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Ovinos (Arco).
Hoje, o cenário inverteu, com a lã respondendo por 20% do faturamento de ovinos, segundo Schwab. A redução da oferta atingiu em cheio as cooperativas gaúchas de lã, que chegaram a somar 23 e atualmente se resumem a três — em Jaguarão, Quaraí e São Gabriel.
— O desafio é fazer o produtor voltar a acreditar que, investindo em genética, tem maior rendimento e qualidade — diz José Galdino, presidente da Cooperativa de Lã Tejupá, de São Gabriel.
O argumento para convencer os produtores vem da valorização das lãs finas no mundo, resultado da escassez de matéria-prima nos principais países produtores e da tendência de moda.
— A lã de ovelha tem capacidade de manter a temperatura corporal, o que a sintética não tem. Além disso, não é inflamável e consegue voltar ao estado original, se pressionada — destaca José Antônio Dias, gerente administrativo da Paramount Têxteis, uma das poucas indústrias de lã instaladas no Estado.