Um dos obstáculos para aperfeiçoar o transporte de animais vivos é a ausência de legislação. Atualmente, há apenas uma instrução normativa (IN 56/2008) que prevê recomendações de bem-estar para animais de produção e de interesse econômico, porém não é especifica em procedimentos, remetendo aos manuais publicados.
A regulamentação do transporte de bovinos está em discussão no Ministério da Agricultura desde 2012. Entre as melhorias necessárias em relação ao sistema utilizado atualmente, foram apontadas: alterações nas carrocerias dos veículos, como abertura para entrada e saída dos animais na dimensão da largura da carroceria, e um desenho que permita o fornecimento de água e melhor ventilação.
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O tortuoso caminho do boi para o abate
Transporte implica em perdas econômicas e na qualidade
A ideia também é instituir um curso de capacitação obrigatório para os profissionais que trabalham com o transporte de animais vivos. Com a normatização, o transportador precisaria de uma habilitação específica para conduzir caminhões com animais vivos.
– O condutor deve estar preparado para agir em caso de emergências, como bloqueios imprevistos, acidentes e brigas entre animais – destaca a veterinária Liziè Peréirã Buss, coordenadora da Comissão de Bem-Estar Animal do Ministério da Agricultura.
Normas internacionais
O grupo de trabalho criado para debater e elaborar proposta básica concluiu os trabalhos em 2014. O texto foi enviado ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
– De 2014 até agora não houve avanço devido à resistência por parte da indústria – afirma Liziè.
As normas foram elaboradas seguindo recomendações da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). A União Europeia, parceria comercial do Brasil e referência em bem-estar animal, já possui normativa específica desde 2005.
Na quarta-feira, os membros da Câmara Setorial da Carne Bovina reuniram-se em Brasília para tratar das sugestões formalizadas pelas entidades ligadas ao setor, mas não existe consenso.
– Infelizmente, esta é uma cultura difícil de mudar – lamenta Liziè, destacando que é possível ter um bom resultado mesmo com instalações medianas e veículos desatualizados desde que as pessoas façam o melhor possível e sejam capacitadas para tomarem as decisões mais corretas.
Na visão da veterinária, os investimentos para tornar a cadeia produtiva mais ética devem sem compartilhadas por todos:
– Os consumidores precisam entender que carne barata usualmente é fruto de sofrimento, abate clandestino, sonegação fiscal, abigeato, subemprego ou contaminação ambiental.
Ruim para todos os elos
O presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar, reconhece que "o sistema não é o ideal, pois não é bom para a indústria, nem para o produtor e nem para os animais, que não têm seu bem-estar atendido".
– É algo que merece ser refeito e estudado. Entretanto, ainda não se chegou a um denominador comum – diz Salazar.
Um dos impasses, relata o coordenador de Relações Institucionais da Abrafrigo, Paulo Mustefaga, é o curso de especialização para os condutores, que seria responsabilidade da indústria.
– Isso reflete em aumento de custo para os frigoríficos – pondera Mustefaga.
O argumento é que as entidades da indústria consideram que os frigoríficos já investem em capacitação. A Abrafrigo também alega não ter participado da elaboração da proposta de regulamentação e, portanto, considera que não houve o debate necessário. O pedido da entidade é que as sugestões sejam reavaliadas para "chegar a um consenso de norma que seja boa para todos".
Aves e suínos são mais vulneráveis
Embora os cuidados no embarque e transporte sejam específicos para cada cadeia de produção, os transtornos são semelhantes. Na avaliação de Liziè Peréirã Buss, os bovinos ainda são os menos vulneráveis pois têm valor econômico alto por animal.
Presidente do Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal (Fundesa), Rogério Kerber ressalta que recentemente, em 2012 e 2013, as empresas ligadas ao setor de aves e suínos participaram de treinamento com foco no embarque, transporte e descanso pré-abate. Também diretor-executivo do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Estado (Sips), Kerber garante que o sistema é eficiente:
– O assunto é extremamente importante, pois as perdas têm uma repercussão econômica nas empresas – afirma, acrescentando que a produção é integrada e as responsabilidades compartilhadas.
Da mesma forma, o diretor-executivo da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), José Eduardo dos Santos, diz que as indústrias seguem metodologias previstas em protocolos internacionais.