Pergunte a qualquer ginete que já levou o Freio de Ouro para casa o quê é fundamental para vencer no campo de provas em Esteio e a resposta será a mesma: humildade e empenho. A afirmativa é autêntica, mas é só meia verdade. A receita também exige preparo físico, habilidade, disciplina, treinos diários, capacidade de improviso e o aquilo que os campeões têm: um pouco de sorte.
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Assim como os animais que disputam o título mais importante da raça crioula, a rotina dos ginetes nas semanas que antecedem as provas é semelhante à de atletas de alto rendimento. Treino duas vezes por dia, exercícios para melhorar o condicionamento muscular do animal e preocupação em aperfeiçoar os detalhes de cada movimento do cavalo.
O afeto com a montaria é perceptível, mas a relação é essencialmente profissional. Um mesmo ginete pode competir com diferentes animais de donos distintos, e é dever dele garantir que todos cheguem com as mesmas chances.
A maioria dos animais é enviada a centros de treinamentos com cerca de dois anos e meio de vida, depois da doma (processo que o amansa e deixa apto a ser treinado). Lá, são avaliados entre 30 e 60 dias para identificar se têm chances de disputar o título. A partir daí, são meses de trabalho, com ensinamentos e repetições de movimentos até absorverem comandos mais complexos.
- Todos os dias há repetição, correções e agrados. É um trabalho de disciplina e precisão até o cavalo chegar aos cinco anos adulto e capaz de disputar o título. Só há folga um dia, no fim de semana - explica o técnico da Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC) Rafael Sant'Anna.
Em caso de vitória, a valorização do animal é astronômica. Um exemplo é o Destaque da Maior, atual campeão entre os machos, cujo valor subiu 10 vezes em dois anos, chegando a R$ 2,5 milhões.
Para saber mais sobre a rotina dos ginetes, ZH ouviu o maior campeão do Freio e os atuais vencedores entre machos e fêmeas. Guto Freire, que venceu no ano passado com o Destaque da Maior entre os machos, chega a Esteio com 11 animais classificados. Às vésperas da disputa, empenha-se em refinar os movimentos de cada competidor. E a prova mais complexa?
- Aquela em que o animal tem mais dificuldade. Sei a aptidão de cada um e me exijo mais por isso - afirma.
Evolução técnica constante
Um bom ginete não conquista a vitória sem um bom animal. E um cavalo, por mais habilidoso que seja, não vence sem guia de alto nível. Por ser uma das provas equestres que imita a lida no campo, o Freio exige ligação singular entre montador e montaria.
Natural de Passo Fundo, 34 anos, tem três títulos no Freio de Ouro. Neste ano, classificou 11 animais para a grande final (Foto Mateus Bruxel, Agência RBS)
Nos últimos anos, a competição tem se acirrado. Até 1994, a maioria dos montadores trabalhava nas cabanhas, usando técnicas tradicionais, aprendidas com pais e avós.
- Depois disso, os ginetes passaram a adaptar técnicas americanas aos costumes locais, e o nível de exigência para chegar às finais subiu - conta Guto.
O ginete disputa provas desde 1996. Foram seis anos de trabalho até credenciar o primeiro animal e mais seis para chegar à final, onde é presença constante desde 2008, sempre evoluindo:
- Uma vez treinei um animal e não o credenciei para a competição. Um tempo depois, outro treinador conseguiu. Era o mesmo animal. A partir dali, aprendi como o meu papel é importante. Se não venço, a responsabilidade não é do gado, da pista ou da chuva. É minha. E me esforço para fazer o melhor.
O Schumacher de Camaquã
Natural de Camaquã, Milton Castro tem 45 anos e sete títulos no Freio de Ouro. Neste ano, classificou dois animais à final (Foto Mateus Bruxel, Agência RBS)
Fosse o Freio de Ouro um campeonato de Fórmula-1, Milton Castro seria Michael Schumacher. Maior vencedor da história, o ginete coleciona sete títulos - o mesmo número de conquistas do piloto. Por coincidência, o primeiro deles veio em 1994, quando o alemão ganhou pela primeira vez.
Com 45 anos, um a menos que Schumacher, Castro mostra que não há limite de idade para ser um bom ginete. Hoje veterano na disputa, venceu com apenas 24 anos e garante: a experiência só ajuda.
Natural de Camaquã, ele convive diariamente com cavalos crioulos desde os quatro anos e doma desde os 10. Com o nível da competição crescendo a cada ano, a necessidade de aprimoramento também aumenta. Além do treino diário com os animais, o ginete conta que passa por um período de "concentração" antes da prova.
- É difícil, não dá para errar nada. Precisa estar com boa saúde e controle dos nervos. Por isso, é importante focar no cavalo para transmitir a segurança necessária. A vitória, quando vem, pertence metade ao cavalo, metade ao ginete. É uma parceria - ensina.
A prática no campo, aprendida com o pai há 30 anos, agora é repassada ao filho Juliano, 22 anos. O guri já participou de algumas competições e sonha vencer o Freio de Ouro, assim como o pai.
- A conquista é resultado de muito trabalho. É seguir se esforçando que a vitória chega - diz Castro.
Experiência na juventude
Natural de Cachoeira do Sul, Rau Lima tem 29 anos e um título do Freio de Ouro, conquistado em 2014. Neste ano, classificou sete animais para a final (Foto Mateus Bruxel, Agência RBS)
Após uma final eletrizante no ano passado, decidida na última paleteada, o ginete Raul Lima garante estar pronto para buscar o inédito bicampeonato. Vencedor em 2014 entre as fêmeas, com a Jotace Tranca, o ginete natural de Cachoeira do Sul vem treinando duas vezes por dia.
- O nível das provas tem melhorado cada vez mais nos últimos tempos. Há muita gente nova e talentosa chegando - conta.
Lima sabe bem do que está falando. Entre os vencedores, ele mesmo pode ser considerado um "novato" na prova. Mesmo tendo sido "criado entre os cavalos", como gosta de dizer, o ginete de 29 anos foi participar pela primeira vez de uma credenciadora em 2007.
Em uma disputa na qual a experiência pesa a favor dos ginetes, em apenas sete anos conseguiu chegar ao lugar mais alto do pódio.
O sonho de se tornar um campeão do Freio de Ouro surgiu da época em que acompanhava outros ginetes vencedores da competição, como Laurindo Affonso e Vilson Souza. Das lições aprendidas, ele elenca como mais importantes a dedicação ao treinamento, a capacidade de improviso na hora da disputa e a paciência:
- Às vezes, o animal vai muito bem em todos os treinos, mas não repete na hora da prova. Acontece. Ou, ao contrário, chega na pista e tem um desempenho acima da média. Trabalhar com doma exige tempo e, acima de tudo, disposição. Estar preparado para o acerto e para o erro do cavalo.