Com 97% da produção de leite vinda da agricultura familiar, em áreas de até 20 hectares, o Rio Grande do Sul pode ter perdido mais de 20 mil produtores nos últimos cinco anos.
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Indústria aposta em bônus ao produtor para melhorar qualidade do leite
O tamanho do abandono é estimado pela Federação dos Trabalhores na Agricultura no Estado (Fetag-RS), que terá dados oficiais e mais precisos sobre o cenário com a divulgação do Censo do Leite, na sexta-feira.
O desestímulo dos produtores decorre da baixa remuneração do trabalho e do aumento dos custos de produção, agravados por falta de pagamento e falência de empresas, algumas envolvidas em fraudes. Em dois anos, 13 indústrias de leite deixaram de operar ou entraram em recuperação judicial no Estado.
- Muitos produtores buscaram outras formas de sustentar suas famílias, migrando para atividades como a pecuária de corte - exemplifica Márcio Roberto Langer, assessor de política agrícola da Fetag-RS.
Pelos dados da entidade, o Estado tinha pouco mais de 120 mil produtores de leite em 2010. Desde então, o número caiu cerca de 20%. No ano passado, estima-se que 7 mil famílias tenham sido excluídas da cadeia, boa parte em razão de indústrias e pequenos laticínios terem deixado de recolher o produto nas propriedades com volume inferior a 50 litros em locais de difícil acesso. Se nada for feito, estima-se que outros 30 mil produtores abandonem a atividade nos próximos cinco anos.
Mão de obra ainda é gargalo
A baixa rentabilidade, aponta Langer, está associada também à falta de incentivos do poder público. A escassez de políticas voltadas ao setor é retratada no Censo do Leite, conforme o Instituto Gaúcho do Leite (IGL). Segundo a pesquisa, pouco mais de cem dos 453 municípios que produzem leite têm algum tipo de ação de incentivo ao setor.
- Os estímulos estão diretamente ligados à qualificação dos produtores. Sem ações dessa natureza, será muito difícil avançarmos - aponta o diretor-executivo do IGL, Ardêmio Heineck.
Sem incentivos, fica complicado para os produtores fazerem investimentos importantes para melhorar a propriedade, acrescenta Heineck, citando a mecanização da ordenha e o uso de resfriadores de expansão direta.
No censo realizado nos 497 municípios, a mão de obra foi apontada pelos produtores como um dos três principais gargalos, junto com sucessão familiar e escala de produção reduzida.
Profissionalização é caminho para obter melhor resultado
Ao comparar a produção de leite do Brasil e da Nova Zelândia, referência mundial em produtividade, a necessidade de profissionalização brasileira fica ainda mais evidente.
Embora os neozelandeses tenham em média um funcionário para cada 200 animais e no Brasil a relação seja de 20 vacas por trabalhador, os resultados obtidos pelos dois países mostram a importância da eficiência.
- Na Nova Zelândia, todos os produtores são muito profissionais. É diferente do Brasil, onde há muitas variações na atividade - compara Bernard Woodcock, diretor-executivo da Qconz América Latina Consultoria e Treinamento, braço operacional da empresa Quality Consultants of New Zealand.
No Brasil desde 2009 para trabalhar em projetos de boas práticas na fazenda em parcerias entre indústrias brasileiras e a Fonterra - maior cooperativa de laticínios da Nova Zelândia -, Woodcock diz que uma boa produção não depende exclusivamente de genética e tecnologia:
- É preciso organização na propriedade, com um sistema de trabalho mais prático.
As melhorias em eficiência são percebidas em medidas simples, exemplifica Woodcock, que vão dos cuidados no manejo a adequações estruturais - reduzindo assim custos operacionais e com contratação de mão de obra.