Posicionados em lados opostos na discussão sobre a concentração de terras no país, os novos ministros da Agricultura, Kátia Abreu, e do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, reforçaram a divergência em torno de um tema polêmico no campo. Enquanto para Kátia os latifúndios não existem mais no Brasil e a reforma agrária deve ser pontual, Patrus defende a derrubada das "cercas dos latifúndios".
Veja a opinião de Moisés Mendes sobre o tema
Em um país com dimensões continentais, o tamanho da propriedade diz pouco sobre a produtividade da área, especialmente quando são comparadas regiões com características geográficas e atividades distintas. Pelo Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (o último é de 2006), das 441 mil propriedades gaúchas, 7% têm mais de cem hectares.
- Se tu me perguntares se existe latifúndio no Rio Grande do Sul, vou te dizer que sim. Mas se quiseres saber em que quantidade e onde, vou te responder que não sei - aponta Francisco Lemos, chefe da Divisão de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Rio Grande do Sul.
O número de propriedades classificadas como grande não é suficiente para afirmar que existe terra improdutiva no Estado.
A definição de latifúndio não se refere apenas à dimensão de área, mas também à localização e às condições de uso da terra.
A complexidade da resposta está na própria definição legal para latifúndio: propriedade que exceda 600 módulos rurais ou superior a um módulo rural e mal explorada em aspectos econômicos, sociais e ambientais.
- Com dados geográficos, tamanho, cultura e uso da terra é feita a média ponderada, que indica quantos módulos rurais cada propriedade tem - diz Lemos.
Mesmo com mais de 90% das áreas físicas do Rio Grande do Sul cadastradas no sistema nacional, é difícil definir se a propriedade é mal aproveitada ou não porque as informações do cadastro são autodeclaratórias e são auferidas apenas em vistorias pontuais realizadas pelo Incra.
O que eles disseram:
Kátia Abreu, ministra da Agricultura:
A reforma agrária tem de ser pontual, para os vocacionados. Se o governo tiver dinheiro, não só para dar terra, mas para garantir a estrutura e a qualidade dos assentamentos. Latifúndio não existe mais.
Patrus Ananias, ministro do Desenvolvimento Agrário
Ignorar ou negar a existência de desigualdades e da injustiça é uma forma de perpetuá-las. Não basta derrubar a cerca dos latifúndios, é preciso derrubar as cercas que nos limitam a uma visão individualista e excludente do processo social.
A definição de latifúndio
Grandes propriedades rurais geralmente improdutivas, chamadas de latifúndios, são identificadas a partir de diferentes conceitos:
Por extensão: excedem 600 módulos rurais (unidade de medida, em hectares, que calcula dimensão, situação geográfica, atividades e condições do aproveitamento da terra).
Por má exploração: áreas com mais de um módulo rural e mal aproveitadas economicamente e racionalmente e que não atingem graus de utilização da terra e eficiência de produção.
Outras referências
O que é um módulo fiscal
É medido em hectares, varia entre municípios, podendo ter de cinco a 110 hectares, conforme exploração, renda obtida e área.
Classificação das propriedades
Minifúndio - Área inferior a um módulo fiscal.
Pequena - Área entre um e quatro módulos fiscais.
Média - Área entre quatro e 15 módulos fiscais.
Grande - Área superior a 15 módulos fiscais.
Divergências também em solo gaúcho
A discussão em torno da reforma agrária e do termo latifúndio é um tema que os ruralistas dizem estar superado, pelo menos em território gaúcho.
- Não existe ninguém que possa se dar ao luxo de ter terra apenas como reserva de capital, ainda mais com os preços praticados pelo mercado - afirma Gedeão Pereira, vice-presidente da Federação da Agricultura no Estado (Farsul).
A afirmação do dirigente é feita com base na valorização do agronegócio na última década, puxada por avanços produtivos nas lavouras e em rendimentos maiores. Para Gedeão, o que existem são propriedades "altamente bem exploradas e outras medianamente exploradas".
- O que importa não é o tamanho da área, mas a atividade desempenhada nela. É mais fácil encontrar uma agulha no palheiro do que uma terra improdutiva no Rio Grande do Sul - complementa Gedeão.
A análise de ruralistas é contestada por integrantes gaúchos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que garantem ainda existir áreas improdutivas no Estado. De acordo com Adelar Pretto, um dos coordenadores do MST estadual, a concentração de terras nas mãos de pecuaristas na década de 1990 está agora inserida em outro modelo de agronegócio, financiado com recursos públicos e dominado por diferentes multinacionais.
- Esse modelo é insustentável, com uso excessivo de agrotóxicos nocivos à saúde humana, especialmente no Rio Grande do Sul. A concentração de terras no Estado só mudou de mãos e de lógica de produção. A capacidade de produzir alimentos saudáveis e com qualidade ainda é do pequeno produtor rural - avalia o representante do MST.