Com assumido perfil centralizador, Carlos Sperotto admite estar aprendendo a delegar tarefas. Aos 74 anos, no sexto mandato à frente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), um dos líderes do agronegócio gaúcho mudou sua postura e pretende reforçar a política de resultados e diálogos - deixando de lado grandes mobilizações públicas. Na presidência da entidade há 16 anos, Sperotto tem hoje desafios bem diferentes dos da década de 1990, quando agricultores tentavam se recuperar de dívidas de safras frustradas.
O gaúcho de Palmeira das Missões, nascido em uma família de imigrantes italianos, está diante de um momento considerado histórico: a riqueza produzida pelo agronegócio neste ano deve ter impacto de R$ 107 bilhões na economia do Estado. Em entrevista concedida a ZH, falou sobre os desafios para os próximos três anos de mandato e a expectativa quanto às políticas dos governos estadual e federal.
Zero Hora - O senhor projeta mudanças neste sexto mandato?
Carlos Sperotto - Alteramos a estratégia, antes embasada em grandes mobilizações e ações visíveis, para atuar na política de resultado e no diálogo. Reformulamos a equipe da área econômica e criamos um corpo técnico jovem, que trouxe um novo momento ao nosso trabalho. Buscamos atender pontualmente ao que o produtor reivindica pelos sindicatos rurais.
ZH - Qual o desafio do agronegócio?
Sperotto - A recuperação que tivemos, ao sair de uma safra frustrada em 2012, com perda de mais de 10 milhões de toneladas, e a colheita de mais de 28 milhões de toneladas neste ano evidenciou um problema que não podemos dizer que foi surpresa. A armazenagem ineficiente é um problema histórico, que os governos nunca pensaram em atender na forma necessária. Neste ano, o Brasil inteiro foi tomado de surpresa com o despreparo dos governos no sentido de criar mecanismos para abrigar e exportar produtos agrícolas.
ZH - O Plano Safra, a ser lançado no dia 4, deverá beneficiar a armazenagem. Qual a expectativa em relação às medidas?
Sperotto - A armazenagem e a assistência técnica são dois pontos que o Plano Safra deverá atender. Além da maior utilização de armazéns da Conab, haverá linhas de crédito para o produtor investir em armazéns próprios. Serão 15 anos para pagar, com três anos de carência e juro de 3,5% ao ano. Até então, o produtor vinha vendendo seu produto antes mesmo de plantar. O fato de não existir armazenagem ficava mascarado dentro do processo. Armazenávamos apenas um pouco de milho e de trigo. O restante era comercializado. Com armazéns próprios, é possível guardar o produto para uma venda mais serena ao longo do ano, com maior poder de barganha. Sem contar a economia com taxa de secagem, classificação e armazenagem do produto, além do aproveitamento dos resíduos como ração animal.
ZH - O endividamento agrícola é um problema superado?
Sperotto - Eu diria que o endividamento não está superado, mas administrado. Hoje, o produtor mantém sua posição de adimplência por meio das negociações que fez, transformando o débito em um contrato com prazos para ser amortizado. Estamos ainda com uma negociação, rescaldo de uma situação de contratos que ficaram para trás, para o qual em menos de um mês deveremos ter solução. As negociações têm a ver com a recuperação de renda do produtor, sem dúvida. Além de volumes recordes, a safra deste ano trouxe consigo a estabilidade do preço das commodities e dos produtos que estavam represados. Isso contribui para fazer o caixa do produtor.
ZH - Como a Farsul avalia a rastreabilidade da carne bovina?
Sperotto - O programa de rastreabilidade foi iniciado no Estado. Acreditamos que houve grande falha quando os animais rastreados não tiveram um ganho a mais. Apenas reduziram os preços praticados para os bovinos em geral. Houve a perda em vez da bonificação. Essa questão trouxe desgaste muito grande ao conceito de rastreabilidade. Os produtores gaúchos, em sua grande maioria, são favoráveis à rastreabilidade. Mas, por lei, não pode ser obrigatória. A tentativa do secretário da Agricultura (Luiz Fernando Mainardi) de inserir a obrigatoriedade implica uma inconstitucionalidade, tem lei específica que diz que não pode ser obrigatória.
ZH - O que dificulta o processo?
Sperotto - O governo sinalizou a rastreabilidade como obrigatória e gratuita, mas não encontrou abrigo. Paralelo a isso, a forma como será aplicada também gera posições divergentes. A rastreabilidade em si é uma das ferramentas para auxiliar na sanidade. O problema é que não se começa a fazer. O ideal era iniciar com terneiro recém-nascido e ampliar gradativamente.
ZH - Como o abigeato se relaciona com a rastreabilidade?
Sperotto - O abate ilegal tem uma linha nebulosa entre o abigeato e o desvio das normas legais. Hoje já existem gangues de caminhão para transportar esse gado de forma ilegal. O governo tomou atitude importante ao decretar o combate ao abigeato. As entidades querem contribuir. Estamos em campanha para que o produtor faça a ocorrência. O Interior tem dificuldade muito grande com a segurança.
ZH - Falando em governo, como está a sintonia do setor com os representantes do Estado e da União?
Sperotto - Estamos dialogando. Acabei de fazer uma proposta de trabalho conjunto (em relação ao abigeato) e, para que isso ocorra, é preciso ter relacionamento favorável. Tínhamos uma freeway com o Mendes Ribeiro e, agora, ainda não fizemos contato com o atual ministro. A grande preocupação está nos resultados do Congresso. As desapropriações estão trazendo dificuldades.