Com o lançamento de um manual de atuação e uma série de painéis com especialistas, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) começou o seminário Realidade das Mudanças Climáticas: os Desafios da Governança e da Reconstrução na manhã desta quarta-feira (22). A abertura do evento ocorreu por volta das 9h, no auditório Mondercil Paulo de Moraes, na sede do órgão, em Porto Alegre. A programação se estende até as 17h30min de quinta-feira (23), reunindo outras autoridades para tratar de ações para prevenção e enfrentamento de desastres naturais.
A procuradora de Justiça Ana Maria Moreira Marchesan, que atua como coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente (Caoma) e diretora do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF) do MPRS, afirma que o evento é considerado extremamente oportuno e comenta que, quando foi idealizado, no início de setembro, não se pensava que o Estado estaria vivendo novamente uma situação de eventos extremos.
De acordo com Ana Maria, o seminário servirá como uma “chamada de atenção” para a sociedade, para as autoridades e para as universidades:
— Precisamos da ciência, de recursos materiais e humanos e, sobretudo, de informação. Informação para as comunidades, para o poder público e para a iniciativa privada, porque esse fenômeno das mudanças climáticas, infelizmente, veio para ficar. Nós vamos ter que conviver com ele e, ao mesmo tempo, implementar ações de adaptação e de mitigação para conseguir um mínimo de qualidade de vida, já que estamos em um Estado muito sujeito a esses eventos climáticos extremos.
Durante a abertura do evento, o conselheiro e presidente da Comissão de Meio Ambiente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Rinaldo Reis Lima, lançou a cartilha Desastres Socioambientais e Mudanças Climáticas – Manual Prático para atuação do Ministério Público. O documento foi desenvolvido por um grupo de trabalho que reúne membros dos MPs de todo o Brasil e pode ser acessado por meio deste link.
Em sua fala, Lima destacou que a frequência e severidade dos desastres socioambientais e as rápidas mudanças climáticas têm demandado uma atuação proativa e eficaz por parte das instituições públicas. Também comentou que o Brasil já está vivendo efetivamente os extremos que há anos se previa.
O clima do planeta mudou e nós somos os agentes responsáveis por essa mudança.
FRANCISCO AQUINO
Climatologista e professor da UFRGS
— Cientistas do mundo inteiro apontam que nós já passamos do ponto de inflexão, que é quando já não tem mais retorno. É quando já atingimos um determinado ponto, que não temos mais como voltar às condições originais, e aí então só nos resta trabalhar mitigação e adaptação. Hoje é essa a realidade — disse o conselheiro.
No decorrer do seminário, foi realizada ainda a assinatura de um termo de cooperação entre o MPRS e o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), com o objetivo de empregar esforços conjuntos para o enfrentamento das questões decorrentes das mudanças climáticas. Painéis jurídicos e relatos de prefeitos de municípios atingidos, do governador do Estado e do governador do Espírito Santo também estão previstos na programação — que pode ser conferida neste link —, ressaltou Ana Maria.
O órgão ainda vai aproveitar o evento para oficializar a criação do Gabinete de Estudos Climáticos – GabClima MPRS, que, de acordo com o procurador-geral de Justiça, Alexandre Saltz, tem como intuito criar uma base de dados com números que subsidiem a atuação dos promotores em áreas sensíveis, como mapeamento de áreas risco e implementação de políticas públicas sobre o tema.
Painéis
O primeiro painel contou com a participação do climatologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Francisco Aquino, que abordou as perspectivas climáticas para o Rio Grande do Sul, apresentando resultados de trabalhos de alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado da instituição.
O professor iniciou sua apresentação citando os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil. Conforme o especialista, até 2035, é provável que seja alcançado somente o de energia limpa e acessível e que todos os outros não sejam atingidos, principalmente porque foi perdido muito tempo ao longo das duas últimas décadas.
Precisamos da ciência, de recursos materiais e humanos e, sobretudo, de informação. Porque esse fenômeno das mudanças climáticas, infelizmente, veio para ficar.
ANA MARIA MOREIRA MARCHESAN
Procuradora de Justiça
— A ciência avançou muito, fez a sua contribuição, mas o nosso diálogo, a nossa tomada de decisão ou as políticas adotadas em diferentes países ao longo destes últimos 30 anos não foram eficientes para o que nós estamos vivendo neste momento — declarou.
Aquino também explicou que o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná estão na região subtropical, que é “uma porta de entrada para os contrastes físicos entre massas de ar tropicais e polares”. Além disso, afirmou que os ciclones e as frentes estão no cenário de todos os eventos extremos presenciados no ano de 2023:
— Lamentavelmente, concentração de gases de efeito estufa, aumento da precipitação, diminuição de geleiras, aumento da temperatura, aumento do nível do mar e aumento de calor nos oceanos é o resultado da ação antropogênica no sistema natural global. Nós tornamos a Terra um laboratório onde nós influenciamos, alteramos e condenamos a função destes quatro importantes sistemas.
De acordo com o professor, o inverno deste ano foi o mais quente do Hemisfério Sul, da América do Sul e do Brasil, graças a fatores como a emissão de combustível fóssil, o desmatamento e as queimadas. O especialista acrescentou ainda que as concentrações de gases do efeito estufa também nunca estiveram tão altas.
— Portanto, o clima do planeta mudou e nós somos os agentes responsáveis por essa mudança. Não é o Sol, não é a órbita da Terra, não é o eixo, a inclinação, nada disso responde pela mudança do clima — enfatizou, apontando que a área ao redor do Hemisfério Sul também é a rota preferencial de ciclones, o que explica a ocorrência de tantos fenômenos.