Proibido por lei, prejudicial para espécies ameaçadas de extinção e perigoso para o espaço aéreo e banhistas: esses são três motivos elencados por autoridades e especialistas quanto ao uso de drones na pesca no Brasil. O equipamento há anos difundido na captura de imagens aéreas é utilizado por pescadores em países como a Austrália e Estados Unidos. Também há registros de pesca neste formato no Rio Grande do Sul.
A prática consiste na instalação de um mecanismo de dispensa de linha e anzol no equipamento, que é deslocado para alto-mar por meio de controle remoto. Em determinado ponto, o drone solta a linha e tem início a pescaria: em caso de sucesso, o peixe é capturado e levado para o piloto, que, desse modo, não precisa sequer entrar na água para pescar.
A pesca no Brasil é regulamentada pela lei número 11.959, de 2009, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca. A portaria número 616, de 2022, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento define, no artigo 4, os petrechos (ferramentas e acessórios) permitidos para o pescador amador ou esportivo:
- Linha de mão
- Caniço simples
- Vara com molinete ou carretilha
- Espingarda de mergulho ou arbalete com qualquer tipo de propulsão e qualquer tipo de seta
- Bomba de sucção manual para captura de iscas
- Puçá-de-siri
- Slingshot, somente em lagoas marginais
Assim, para que a pesca seja considerada legal, a pessoa deve utilizar os equipamentos descritos na norma. O fato de a legislação não proibir de forma expressa o emprego do drone na pescaria não garante a legalidade da ação:
— A lei pode dizer que uma coisa é proibida, então tudo o que for feito daquela forma é proibido. Ou a lei pode dizer que algo tem de ser feito de uma determinada forma; quando ela diz que tem de ser feito dessa determinada forma, qualquer coisa diferente é irregular. Há uma portaria que estabelece quais são os petrechos permitidos (na pesca) e a utilização de drone não está entre eles. Então, é proibido — destaca André Casagrande Raupp, procurador da República do Ministério Público Federal (MPF) em Capão da Canoa, no Litoral Norte.
Ou seja: para que o drone ou qualquer outro equipamento seja autorizado na pescaria, a legislação precisa determinar isso. O que está fora da lista, por consequência, é compreendido como ilegal para as normas brasileiras, o que é o caso do uso de drone na pesca. Esse modo de elaboração das normas facilita o controle da prática:
— A lei não tem como disciplinar o que é proibido porque a capacidade de invenção humana é muito grande. Então, novos mecanismos podem ser criados e (se a lei não for assim, ou seja, estabelecer o que pode ser usado pelo pescador) tudo seria permitido porque não estaria proibido na lei. Toda a questão que tem um impacto ambiental precisa ser analisada, pesquisada, verificada — acrescenta Raupp.
Conforme o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), quem pesca com equipamentos não autorizados na lei comete infrações e crimes ambientais. Segundo o decreto federal número 6.514, de 2008, a multa é de R$ 700 a R$ 100 mil, com acréscimo de R$ 20 por quilo ou fração do produto da pescaria, ou por espécime quando se tratar de produto de pesca para uso ornamental.
Outro trecho do decreto diz que a mesma multa se aplica em casos de pesca "mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos". Somado a isso, pescar com drone também constitui crime ambiental nos termos da lei número 9.605, de 1998, que prevê detenção de um a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
— O drone não é permitido nem para o pescador amador (e esportivo) nem para o profissional. Existem petrechos de pesca permissionados: não é porque o pescador é profissional que pode inventar qualquer coisa para pescar. Existem, inclusive, petrechos proibidos, como explosivos e malha de rede muito fina — explica Kuriakin Humberto Toscan, chefe da divisão técnica do Ibama em Porto Alegre.
O profissional federal não restrige o debate do uso do equipamento apenas às normas legais brasileiras; o Ibama alerta para consequências que podem ocorrer no caso da disseminação da prática proibida no país:
— O drone pode acessar zonas de berçários de espécies ameaçadas ou em perigo de extinção, como raias-violas, por exemplo. São locais onde o nascimento desses animais ocorre. Isso cria um esforço de pesca em uma área essencial.
No caso de a pesca resultar na captura de espécies ameaçadas que constem na lista oficial nacional e/ou do Estado, há cometimento de uma segunda infração ambiental e outro crime ambiental, conforme o já citado decreto 6.514, no caso de "Matar, perseguir, caçar, apanhar, coletar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida".
Nessa situação, a multa é de R$ 500 por indivíduo de espécie que não constar nas listas oficiais de risco ou ameaça de extinção. O valor sobe para R$ 5 mil por indivíduo de espécies incluídas em listas oficiais de fauna brasileira ameaçada de extinção, inclusive as da Convenção de Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites).
Além disso, a prática é compreendida como crime ambiental na lei 9.605, que determina que a pena é aumentada de metade se o crime é praticado "contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração".
— Historicamente, o Brasil não faz uma boa gestão pesqueira. Então, não cuida para manter as populações saudáveis de recursos pesqueiros para que elas sejam utilizadas e exploradas de forma mais racional, para que se obtenha o máximo de rendimento possível. Se for amplamente difundida, ela (a pesca com drone) vai atuar sobre recursos pesqueiros já severamente explorados, ou seja, explorados além da sua capacidade de renovação — diz Luís Gustavo Cardoso, professor de Ciências Pesqueiras do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Drones e o espaço aéreo
O uso de drones está sujeito também às regras do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) da Força Aérea Brasileira (FAB), da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Por isso, deve seguir as normas da Instrução do Comando da Aeronáutica (ICA) 100-40/2020, que não autoriza o uso de drones na pesca no Brasil.
— Um drone não é brinquedo, mas uma aeronave, que pode derrubar uma avião, um helicóptero. Há toda uma regulamentação feita para que outras aeronaves saibam que há um drone na área. Temos equipamentos de nove quilos, com hélices de 50 centímetros, que são verdadeiras navalhas. Imagine isso caindo em uma pessoa. É um risco que essa atividade pode trazer para os banhistas, porque é fácil perder o controle de uma aeronave como essa — diz Kuriakin Humberto Toscan.