Clima sem temperaturas extremas, com regime regular de chuvas mesmo em meio à estiagem que assola parte do Estado e terra fértil nas encostas dos morros estão entre os fatores que seguem atraindo produtores rurais para uma região que costuma ser conhecida pelo turismo de verão. Hoje, quase 9 mil famílias vivem da agricultura no litoral norte do Rio Grande do Sul, segundo a Emater/RS. Destas, 80% são agricultores familiares e a grande diversificação na produção é uma das marcas da região.
Entre as principais culturas, destacam-se o arroz, com 600 produtores espalhados em 61,2 mil hectares, principalmente, nas cidades de Palmares do Sul, Capivari do Sul e Mostardas, a banana, com 2.400 produtores e 10,5 mil hectares, as hortaliças, com 755 produtores em 1,8 mil hectares. Há cerca de três anos, por conta do preço atrativo, a soja vem ganhando espaço em áreas onde antes existia arroz. Hoje, 128 produtores plantam o grão em 22,5 mil hectares.
Além das produções mais tradicionais, o Litoral Norte também acolhe quem aposta em novas culturas como a pitaia, o açaí, o maracujá, o cogumelo e até a pimenta.
Pimenta em Maquiné
Em Maquiné, uma brincadeira entre amigos acabou criando uma empresa que está prestes a iniciar as exportações de uma especiaria, cuja produção iniciou por acaso. Tudo começou em 2018, quando o estudante de engenharia mecânica Gerônimo Grisa Ritter, então com 22 anos, e o barbeiro Lucas Quiquio, 33, compraram pela internet um kit de sementes de pimenta e as colocaram numa bandeja para ver se cresceriam.
— A gente queria saber se nascia. Tínhamos o costume de fazer jantas e consumir molhos de pimenta. Coincidiu na mesma época com a aposentadoria do meu pai (Elton Ritter)e se mudando para o sítio. Quando ele viu as mudas, pediu para plantá-las. Três meses depois, o negócio estava pegando fogo na plantação — comenta Gerônimo.
No total, as primeiras 192 mudas deram 60 quilos da pimenta Habanero Chocolate. Parte da produção se tornou molho de pimenta, vendido por Gerônimo e Lucas aos amigos e familiares. O investimento foi de R$ 19 na compra das sementes e de RS 100 para adquirir embalagens de vidro.
— Como a gente teve sorte de ter as mudas antes do verão, as pimentas produziram em três meses. Foi uma coisa de susto. Nossa ideia, no início, era fazer um dinheirinho até juntar uns R$ 400 para comprar panelas e fazer cerveja. Mas quando juntamos os primeiros R$ 400 e dividimos R$ 200 para cada um, pensamos "vamos fazer mais um pouco de pimenta porque está dando certo" — recorda Gerônimo.
Logo depois da primeira produção, os dois expandiram para três tipos de molhos e perceberam que tendo uma linha de produtos mais extensa teriam um gatilho de recompra: o cliente compraria uma e ficaria curioso por outros molhos feitos pelos amigos.
Durante o primeiro ano do negócio, os dois trabalharam de forma artesanal, vendendo apenas para conhecidos. A virada veio em 2019, quando a dupla decidiu alugar um espaço para montar a cozinha e convidou o especialista em Tecnologia da Informação (T.I.) e amigo de ambos Felipe Stürmer, 38, a se juntar à sociedade. Felipe, apaixonado pelo sabor da pimenta desde a infância e um dos primeiros a comprar os produtos de Gerônimo e Lucas, havia decidido sair da grande Porto Alegre e voltar às origens em Maquiné. A ideia era abandonar a T.I. e abrir uma agropecuária. Mas tudo mudou.
Ao se tornar sócio, Felipe passou a ser o especialista em sabores, testando todos os produtos executados, principalmente, por Lucas, que é o responsável por fabricar os molhos. Gerônimo fica na contabilidade do empreendimento.
Se em 2018 a Chilli Brothers começou com 60 quilos de pimenta, hoje produz 1,5 tonelada por ano. Para isso, além das estufas no sítio do pai de Gerônimo, os três empreendedores arrendam terras na região para o plantio de verão - quando a colheita é feita semanalmente. Neste ano, os sócios darão o maior passo da empresa.
— Além de todos os Estados do Brasil, que a gente queria alcançar, agora estamos chegando perto de mais um sonho, que é exportar o nosso produto. Estamos iniciando o processo de exportação para três países da Ásia. Nosso produto já está legalizado no Cazaquistão, China e Japão. Agora, o projeto para 2023 é finalizar este processo e começar a enviar para lá — revela Gerônimo.
Açaí em Três Cachoeiras
Presente na maioria dos pátios e nos bananais do Litoral Norte, a palmeira-juçara (Euterpe edulis) é nativa da Mata Atlântica e até o início dos anos 2000 era usada somente para a extração de palmito e de madeira. Mas bastou uma paraense que vivia em Santa Catarina ver a palmeira e achar seus frutos parecidos com o açaí consumido por ela no norte do Brasil para a árvore ter uma nova serventia também no Rio Grande do Sul.
Depois de alguns testes positivos com os frutos da juçara, um extensionista rural da Emater e pesquisador propôs aos agricultores do Litoral Norte, principalmente, aqueles que tinham palmeiras entre os bananais, produzirem açaí com a árvore da Mata Atlântica. Uma das primeiras famílias a abraçar a ideia foi a de Anelise Becker, 34, da localidade de Morro Azul, em Três Cachoeiras. Integrante da Associação dos Colonos Ecologistas da Região de Torres (Acert) e da cooperativa Econativa, a família de Anelise tinha uma agroindústria especializada em produtos feitos a partir da banana.
— As palmeiras sempre estiveram presentes nesta região, mas não se tem conhecimento de que os nativos usavam os frutos para consumo humano. Geralmente, eles eram deixados para os passarinhos - conta Anelise Becker, que é formada em Educação do Campo e Desenvolvimento Rural.
Já nas primeiras experiências feitas na agroindústria foi possível perceber a importância dos frutos da juçara. Por ano, cada árvore costuma dar até 20 quilos da bolotinha roxa. O processo de produção do açaí começa na lavagem dos cachos retirados da palmeira. Depois, eles são sanitizados com ozônio. Os frutos, então, ficam de molho em água morna por cerca de 20 minutos para que a casca se solte do caroço. Tudo é colocado na despolpadeira - um batedor específico - para causar atrito e separar as cascas de onde sairá a polpa. Nela também é colocado um determinado volume de água, responsável por classificar a polpa como fina, média ou grossa. Em poucos minutos, a pasta cremosa arroxeada começa a sair da casca esmagada. É o açaí em estado puro.
Ainda não há propriedades com área única para as palmeiras. O que ocorreu foi um incentivo maior aos agricultores a manejarem de forma consciente as já presentes entre os bananais, principalmente. A agroindústria de Morro Azul, que desde 2012 detém o registro para produzir a polpa de açaí-juçara, recebe frutos que se tornarão açaí vindos de diferentes municípios do Litoral Norte. Parte deles tem certificado de produto orgânico. Palmeiras que estão em bananais que recebem aplicação de agrotóxicos não fazem parte do processo.
— Aliamos a questão da conservação da palmeira-juçara, com o super alimento que é a polpa do açaí e a ideia de ser mais uma fonte de renda para as famílias de agricultores. Com o processamento que fazemos, as sementes acabam tendo um potencial de germinação maior, pois as devolvemos aos agricultores para novo plantio — conta Anelise.
Se nas primeiras experiências a família de Anelise trabalhava com 20 quilos de açaí-juçara, hoje, está processando uma média de 20 toneladas de fruta por safra. Curiosamente, há pelo menos duas safras distintas no Litoral Norte por conta dos microclimas existentes nos vales: entre janeiro e fevereiro, a colheita ocorre na região entre Maquiné e Caraá. De março a julho, é a vez da área entre Três Cachoeiras e Torres.
— Atualmente, a agroindústria ocupa a maior parte do nosso tempo, pois beneficia diversas famílias da região com a comercialização de excedente de banana, de outras frutas e do açaí-juçara. O açaí já é metade da nossa renda — comemora o tecnólogo em agroecologia Marcelo Vieira, 37 anos, marido de Anelise e que trabalha na agroindústria.
A fruta que era mais conhecida no norte do Brasil vem se tornando cada vez mais popular no Sul. Hoje, o açaí-juçara produzido pelos agricultores do Litoral Norte faz parte da merenda escolar dos estudantes da rede pública municipal de Três Cachoeiras e também pode ser encontrado em lojas de orgânicos, restaurantes, casas especializadas em açaí e também em feiras em Porto Alegre.
Orquídeas em Torres
Uma vez por semana, o então colecionador de orquídeas e agente de saúde Rafael Dutra Selau, 48 anos, de Torres, fazia questão de enviar um vaso da flor para a professora do sobrinho, Daiane Laguna da Silva, 40, de Osório. Ao longo de meses, ele usou desta tática romântica para conquistar o coração da docente. A flor que era apenas uma paixão dele, acabou virando um negócio e mais do que o amor da mulher, ele ganhou uma parceira para iniciar uma nova etapa. Juntos, criaram um orquidário há 15 anos em Torres.
— A região é habitat de algumas espécies e é tradicional ver as orquídeas amarradas nas árvores. Fui adquirindo por paixão e comecei a participar de exposições de orquídeas. Então, vi uma oportunidade de negócio quando percebi a falta do produto na região do Litoral Norte — recorda Rafael.
Ele passou a estudar ainda mais sobre as orquídeas para trabalhar na área. Assim como a mulher, Rafael deixou a outra profissão para se dedicar por completo às flores. Começaram participando de feiras e eventos em todo o Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
Em 2018, abriram a loja física da família. Mas com a pandemia de coronavírus, o negócio precisou parar por dois anos. O casal enfrentou dificuldades e hoje considera que ainda está se recuperando do período sem vendas por conta do distanciamento social.
Atualmente, eles mantêm seis estufas que recebem 40 mil plantas/ano numa área de 1 hectare. Rafael relata que cuidar de orquídea exige paciência e depende muito da observação, da troca de experiência com outros produtores e de um pouco de teimosia.
O foco da loja e do orquidário da família são as flores para presente e decoração. O orquidário faz todo o processo, desde a polinização da flor para obter a semente até a planta florida. Inicialmente, Rafael mantinha um laboratório no local para fazer o processo de multiplicação no próprio estabelecimento. Com o crescimento do negócio da família, ele preferiu terceirizar o serviço de desenvolvimento das plantas.
— Agora, a loja recebe as orquídeas em ponto de retirar dos frascos para iniciar o cuidado que pode levar, no mínimo, cinco anos para a primeira florada — revela Rafael.
Por ano, o casal participa de até 30 feiras entre março e novembro no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. A flor mais procurada é a Phalaenopsis, que tem ciclo mais curto, boa durabilidade e diversidade de cores. Mas a mais apreciada entre os orquidófilos do Rio Grande do Sul, segundo Rafael, é a Laelia purpurata que, dependendo da variedade, pode atingir um valor maior de venda.
— Costumo comparar uma orquídea com o ser humano. Numa mesma sementeira, vão surgir diferentes orquídeas e nenhuma será igual a outra — resume o empresário.