Iniciada há 10 meses, a transformação de um terreno que acumulava entulhos em uma horta comunitária em Santa Rosa, no noroeste do Estado, transformou também a forma da comunidade local se relacionar entre si e com o espaço – se, até o ano passado, os moradores do bairro Glória evitavam olhar para aquele matagal que concentrava restos de obras, hoje eles se unem para cultivar repolhos, pepinos, alfaces, tomates, salsinhas e desenvolver sistemas sustentáveis de irrigação.
A Horta Comunitária Sabiá é uma iniciativa da ONG Terra Verde, em parceria com o Instituto Federal Farroupilha (IFFar), moradores, empresas e entidades locais. Por meio da agroecologia, o objetivo é aproveitar tudo o que o terreno dá para fazer o cultivo – o que, apesar de parecer meio teórico, tem engajado desde acadêmicos dos cursos de Ciências Biológicas e Arquitetura e Urbanismo até idosos e donas de casa do bairro.
A aposentada Ivone Giese, 62 anos, mora em frente à horta e, desde o início, gostou da ideia e fez parte do grupo que ajudou na limpeza do espaço.
— Era muito lixo quando a gente começou. Era muito puxado para limpar, mas foi indo. A ONG fez a limpeza, botaram tudo em um monte, cortaram os galhos com um facão, botaram nos canteiros e, aí, botamos a terra em cima dos galhos e das folhas e plantamos. Isso tudo a ONG fez e nós ajudamos — conta Ivone.
Mobilizada, Ivone fazia parte do grupo que, apesar da virada de tempo que recebeu a reportagem de GZH em Santa Rosa e baixou em 10 graus a temperatura que fazia, apresentou a Horta Comunitária Sabiá para a equipe jornalística. Além dos canteiros onde estão plantadas as frutas e verduras, a aposentada mostrava, junto com os estudantes de Ciências Biológicas do IFFar Airton Eduardo Martins Schubert, 23 anos, e Gustavo Felipe Bastian, 22, todo o sistema elaborado no local – uma composteira, que ajuda a vizinhança a dar destino para resíduos orgânicos e, de quebra, produz adubo natural a ser usado na horta, e um mecanismo conhecido como “carneiro”, que puxa água de um açude localizado mais para baixo naquele terreno e leva até galões de água doados por um frigorífico da cidade. Lá, o líquido é armazenado e irriga as plantas quando necessário.
Airton e Gustavo se envolveram no projeto da horta após um convite da ONG Terra Verde aos alunos do IFFar. Morador da região rural de Santa Rosa, Airton estava, na época, montando uma agrofloresta junto com o seu pai em uma área que a família herdou, e pensou que poderia aproveitar a oportunidade para ver o que poderia aprender a respeito.
— Particularmente, foi muito bom para mim participar. A área que herdamos do meu avô estava meio degradada. A gente revitalizou uma nascente que tinha secado, impediu o gado de passar e começou a plantar ao redor. Em cinco meses, começou de novo um fiozinho da água e, agora, já está correndo. São coisas que a gente aprendeu aqui e deu para utilizar lá — comenta o jovem.
A ideia da ONG Terra Verde, conforme a presidente da entidade, Juliana Meller, era justamente essa: tirar os conhecimentos da teoria e ir para a prática.
— É batendo na tecla da reciclagem que pensamos em desenvolver essa horta, para trabalhar todos esses conceitos na prática, de produção mais limpa, alimentação saudável e processos de compostagem, especialmente de resíduos domésticos urbanos. Tudo isso em um espaço aberto a toda a comunidade — salienta Juliana.
Para Gustavo, este foi o primeiro contato com a agroecologia, que lhe interessou devido aos aspectos sociais envolvidos na questão.
— A questão da compostagem, a rotação de culturas realizada ali nos canteiros, tudo são conhecimentos que podem ser utilizados no nosso dia a dia e que transformam o nosso modo de ver as coisas. A gente produz isso no nosso cotidiano, conversando com outras pessoas e provocando esse processo de transformação e conscientização — destaca o estudante.
Parceria entre vizinhos
Para além da consciência ambiental, a dupla chama a atenção para outra mudança trazida pelo projeto: a da relação entre as pessoas que participam de projetos como esse.
— A comunidade em geral está abraçando muito o local. A ONG tem parceria com uma escola que fica aqui próxima e o posto de saúde também vai realizar atividades com pacientes depressivos, porque o contato com a terra ajuda na questão da saúde mental — cita Gustavo.
Na percepção de Airton, os encontros e conversas casuais com vizinhos quando se está trabalhando na horta fazem bem, pois rompem com a “correria” do dia a dia, na qual a socialização se perde. Ivone também gosta:
— É uma coisa boa, eu gosto disso ali. Gosto de mexer na terra, plantar, molhar, isso é uma coisa boa. Os tomates agora começaram a florescer, já estão ganhando frutas, é uma coisa linda.
Nosso objetivo é que este espaço sirva de modelo para outros lugares. Queremos ensinar como fazer e que a própria comunidade se aproprie desse conhecimento.
JULIANA MELLER
Presidente da ONG Terra Verde
De acordo com Juliana, iniciativas como essa podem ser implementadas em muitos lugares — só em Santa Rosa, lembra de “inúmeras áreas” que, muitas vezes, ficam abandonadas e só servem para juntar entulho, mas poderiam gerar alimentos e contato com a natureza se fossem bem cuidadas.
— Nosso objetivo é que este espaço sirva de modelo para outros lugares. Queremos ensinar como fazer e que a própria comunidade se aproprie desse conhecimento – afirma a presidente da ONG, que recomenda que alguém coordene estas iniciativas, como uma associação de moradores, uma escola ou um posto de saúde, por exemplo.
Para o futuro, o grupo pretende cercar a horta, a fim de evitar que animais comam os alimentos e causem sujeiras como urina e fezes, e revitalizar o espaço próximo ao açude, por meio de sua despoluição e a urbanização, com móveis feitos com materiais recicláveis, de seu entorno. A ideia é fazer uma pracinha, projeto que conta com o apoio dos estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo do IFFar para ser feito.