Conhecido como sentinela dos pampas e ave símbolo do Rio Grande do Sul, o quero-quero está presente no cotidiano dos gaúchos, já que pode ser visto em praças, em campinhos de futebol e até mesmo em estradas e estacionamentos. Foi justamente em um desses lugares que o repórter fotográfico do Grupo RBS Ronaldo Bernardi encontrou um casal da espécie que procurava um local para fazer seu ninho, em setembro deste ano.
Ao deixar seu carro no estacionamento da empresa todos os dias, Bernardi notou a presença dos animais, que pareciam estar estudando o lugar para decidir onde fazer o abrigo para os ovos. Até que um deles começou a recolher palhinhas e andar pelo local com mais frequência.
— Vi essa movimentação deles e pensei: "bah, vai render uma cena legal". Aí comecei a cuidar — conta.
O lugar escolhido para formar o ninho foi sobre o saibro e próximo a um moirão de concreto que há no estacionamento. Nesta área, que foi sinalizada com cones e fitas pelo fotógrafo, a quero-quero fêmea colocou quatro ovos, mas somente três eclodiram — processo que levou de 21 a 30 dias, já que eles não descascaram juntos.
Apesar de curioso, o registro do ninho nesse tipo de local não é um fato isolado e acontece com certa frequência, garante o professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ismael Franz. Ele explica que a espécie Vanellus chilensis tem o hábito de nidificar (fazer ninhos) em áreas abertas com campo baixo. Por isso, é comum vê-los em campos de futebol, em terrenos com pátios mais extensos e em praças:
— Não é o ambiente perfeito, onde a maioria dos ninhos vai estar, mas não é um registro único. Temos relatos de diversos outros casos de nidificação de quero-queros em estacionamentos e também em outros lugares bastante habitados.
De acordo com o especialista, essas aves não se incomodam com a presença dos humanos, pois se adaptaram muito bem aos ambientes urbanizados, justamente por não gostarem de campos muito altos, cheios de arbustos e com plantas altas. Entretanto, quando estão com ovos no ninho ou com filhotes, os quero-queros tendem a afugentar potenciais predadores com voos rasantes e barulhos (saiba mais abaixo).
Bernardi relata que, quando tentava se aproximar para fazer fotos e vídeos, andava bem devagar. Mesmo assim, quando os pais notavam sua presença, começavam a "gritar". As duas aves se revezavam no cuidado dos filhotes. Pelo menos uma delas estava sempre bem próxima deles.
— Foi algo muito emocionante de acompanhar, eu dizia que era nossa maternidade no estacionamento. Fiquei muito feliz quando vi os três já maiores com os pais, e fiquei triste quando vi que, de três, restou somente um — relata o fotógrafo, que apelidou o filhote restante de Joãozinho, devido ao seu tamanho.
Espécie símbolo do RS
Apesar de ser a ave símbolo do Rio Grande do Sul, o quero-quero não é encontrado somente em território gaúcho, mas sim em toda a América do Sul. Marcelo Pereira de Barros, professor de Zoologia da Universidade Feevale, afirma que muitas pessoas gostam de ter esses animais perto de suas casas, pois dizem que eles são como vigias. Por este motivo, são conhecidos como "sentinelas dos pampas".
Encontradas sempre no chão, em campos abertos, as aves da espécie têm um padrão muito conservativo, ou seja, são todas muito parecidas e fáceis de identificar: olhos vermelhos, topete na cabeça e pernas longas. Seus ninhos normalmente ficam no solo e abrigam de três a quatro ovos. Infelizmente, segundo o especialista, também é comum que os filhotes sumam ou não sobrevivam, já que não costumam ficar muito tempo no ninho:
— Chamamos de aves nidífugas, ou seja, o ovo eclode e, às vezes, em um ou dois dias os filhotes já estão aptos para correr e fugir dos predadores.
Além disso, os quero-queros são uma espécie residente, o que quer dizer que não se deslocam em um determinado período, permanecendo nos locais em que habitam durante todo o ano. Já a reprodução ocorre durante a primavera e o verão, entre setembro e março, quando as temperaturas estão mais agradáveis e há mais alimento disponível.
Neste período, o casal toma conta do ninho e, geralmente, quem faz a defesa da área é o macho. Mas o comportamento de tentar afugentar um potencial predador não é necessariamente um ataque, porque em nenhum caso o quero-quero encosta nas pessoas, ressalta o professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ismael Franz.
— Ele dá aquele voo rasante, chega muito perto e mostra o esporão que tem na asa, mas somente no intuito de afugentar potenciais predadores dos seus ovos ou filhotes. Ele só faz isso quando está com o ninho ativo, não tem esse comportamento fora do período reprodutivo — esclarece.
Para evitar a situação, o ideal é não ficar perto de locais, como praças e parques, que tenham ninhos ou filhotes de quero-queros. Franz destaca que os pais não costumam se deslocar muito quando estão chocando os ovos, por isso, basta manter uma distância de mais ou menos 40 metros. Também não é recomendado mexer no abrigo ou tocar nos animais.
Em Porto Alegre, ao achar um ninho em um local que represente risco aos animais, é possível entrar em contato com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente por meio do telefone 156, para que os técnicos julguem qual o melhor procedimento: isolar a área ou fazer o transporte do ninho.