Marcelo Dutra da Silva (*)
A Terra está mais quente (1,07°C), e nós somos os verdadeiros culpados. Foi o que apontou o sexto relatório de avaliação – AR6 (Climate Change 2021: The Physical Science Basis) – do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) ao afirmar, pela primeira vez, a responsabilidade das ações humanas no aumento da temperatura na Terra. Mudanças profundas, inequívocas e sem precedentes na história. Algumas dessas mudanças – como o aumento contínuo do nível do mar – poderão ser irreversíveis ao longo de centenas a milhares de anos.
A publicação do IPCC, datada do último dia 9, chega no momento em que eventos climáticos extremos têm sido a tônica no mundo: ondas de calor que assolam o Canadá e particularmente os EUA, que chegaram a registrar 54°C no Vale da Morte; altas temperaturas na Sibéria (de 37°C à sombra), também na Grécia (40°C), estendendo-se por Turquia, Marrocos, Albânia e Itália. Em parte do sul da Europa, a seca combinada com a elevação da temperatura favoreceu a multiplicação de centenas de focos de incêndios, que de forma simultânea queimaram florestas, propriedades e campos de produção, deixando o ar poluído, com fumaça, e levando pessoas aos hospitais, com problemas respiratórios.
E tudo isso menos de um mês depois que uma inundação catastrófica provocou mais de 200 mortes, no norte da Europa (enchentes na Alemanha, na Bélgica e na Holanda), enquanto por aqui vivemos a maior seca dos últimos 90 anos, com forte interferência na agricultura e na produção de energia. Enfim, uma série de eventos extremos que estão se tornando mais frequentes no nosso planeta.
O IPCC é uma organização político-científica das Nações Unidas (ONU) que fornece avaliações sobre mudanças climáticas, suas implicações, riscos potenciais e opções de adaptação e mitigação, diante de diferentes cenários futuros. O painel foi criado em 1988 por iniciativa da World Meteorological Organization e da United Nations Environment Programme. O órgão tem uma estrutura de governança, que faz a interface com o universo de tomada de decisão, composto pela Plenária, Birô e o Comitê Executivo. A estrutura abarca três grupos de trabalho: o Grupo I, que trata das bases físicas das mudanças climáticas (é deste grupo o relatório que recém foi publicado); o Grupo II, que trata da avaliação dos impactos, das oportunidades de adaptação e vulnerabilidades ambientais e sociais; e o Grupo III, que trata das mitigações das mudanças climáticas (o relatório destes dois grupos devem sair no ano que vem).
O quarto esforço, dentro deste contexto, é a força-tarefa na produção de material para subsidiar inventários nacionais de efeito estufa. O AR6 (Grupo 1) reuniu 234 autores, de 66 países, que analisaram 517 contribuições científicas e mais de 14 mil referências. Um trabalho fantástico, que contou com uma importante participação do Brasil (UFV, UERJ, USP, INPE, Cemadem).
O relatório destaca que as mudanças no clima não têm precedentes nos últimos 6,5 mil anos e que todas as regiões do globo já foram afetadas, seja por extremos de calor, chuva, seca ou vento de altas velocidades; que cada uma das últimas quatro décadas foi sucessivamente mais quente do que qualquer outra, desde 1850; que a temperatura vai continuar subindo até meados deste século, em todos os cenários projetados; que a menos que haja reduções drásticas das emissões de gases do efeito estufa, limitar o aquecimento a 1,5°C (meta do Acordo de Paris para este século) poderá ser impossível; que a nossa capacidade de influenciar o clima é a maior em 2 mil anos; que os valores de temperatura podem ser muito mais acentuados a depender de cada região; que são muito mais elevados do que a média, porém mascarados pela presença de aerossóis e partículas; e mesmo que algumas mudanças se mostrem irreversíveis, outras podem ser retardadas ou interrompidas imediatamente.
Outra vez, as atenções se voltam para o Brasil e o que estamos fazendo por aqui (ou estamos deixando de fazer). São necessárias reduções fortes, rápidas e sustentadas de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), entre outros gases do efeito estufa. Precisamos tomar decisões importantes, no curto prazo. Conter o desmatamento ilegal é absolutamente inegociável, assim como restabelecer a política de fiscalização e controle. Renunciar ao licenciamento, nem pensar. A frota de veículos terá de ser renovada, substituindo a combustão por eletricidade, começando pelo transporte público em cidades de médio e grande porte. E, é claro, o uso de carvão mineral precisa ser banido. Só há espaço, no futuro próximo, para fontes energéticas limpas e renováveis.
(*) Ecólogo, professor da Furg