Conteúdo verificado: vídeo mostra brigadistas colocando fogo em pasto sugerindo que seriam os próprios combatentes responsáveis por incêndios.
São enganosas as postagens que circulam pelas redes sociais que acusam brigadistas de provocar incêndios no Pantanal. O vídeo que aparece nesses posts foi tirado de contexto e mostra uma equipe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) combatendo fogo com uma técnica chamada queima de expansão, que usa chamas de maneira controlada. Esse recurso consiste em queimar pequenas áreas, de modo planejado e monitorado, para eliminar pasto seco que pode servir de combustível para incêndios florestais.
O próprio ICMBio confirma a ação, que foi realizada entre os dias 12 e 13 de setembro na Estação Ecológica de Taiamã, na cidade de Cáceres, em Mato Grosso. As informações estão em nota oficial de esclarecimento do órgão rebatendo a divulgação de maneira equivocada das imagens.
“O controle dessa técnica exige pessoal treinado e experiente, pontos de ancoragem muito bem definidos e condições meteorológicas favoráveis para que o fogo não se alastre e inicie um novo incêndio. Todas essas condições foram obedecidas e a queima foi considerada um sucesso”, explica a declaração.
Essa explicação foi reiterada pelo analista ambiental do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (o PrevFogo, ligado ao Ibama) no Mato Grosso do Sul, Alexandre Pereira, que analisou o vídeo viralizado a pedido do Comprova.
Como verificamos?
Começamos a apuração por buscas no Google. Mapeamos outras verificações sobre o mesmo tema, feitas pelo Estadão Verifica e pelo site Aos Fatos, que ajudaram a nortear o trabalho do Comprova.
Além disso, consultamos o portal ICMBio, autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, que atua no combate às chamas no Pantanal.
Também procuramos um especialista em incêndios florestais para entender a técnica que aparece no vídeo e outras maneiras de combater fogo com fogo. O analista ambiental do PrevFogo Alexandre Pereira foi quem nos trouxe esclarecimentos técnicos.
Por último, fizemos contato via Messenger com o perfil que divulgou vídeo no Facebook, mas não obtivemos retorno até o fechamento desta reportagem.
Verificação
O vídeo
No vídeo compartilhado nas redes, cinco homens andam por uma área de vegetação rasteira, queimando pequenos trechos de plantas secas. Atrás deles, um sexto homem grava a ação e pode ser ouvido dizendo:
— Os brigadistas, ao invés de apagar o fogo, tão tacando fogo. É brincadeira? Quem é que taca fogo no Pantanal?
Na parte de trás de seus uniformes, é possível identificar o nome do ICMBio.
Em nota publicada em 15 de setembro, o ICMBio confirmou que as imagens viralizadas mostram uma operação de seus agentes realizada na Estação Ecológica de Taiamã, unidade de conservação federal localizada em Cáceres, no Mato Grosso, entre os dias 12 e 13 de setembro.
Ao contrário do sugerido pelo narrador da gravação e por usuários em redes sociais, no entanto, o ICMBio explicou que os homens do vídeo não estavam provocando um incêndio florestal, mas realizando uma manobra de combate indireto das chamas conhecida como “queima de expansão”.
Essa técnica, segundo o instituto, “consiste em eliminar o combustível (a vegetação seca) em pequenas faixas do terreno através da aplicação do fogo”.
Sobre as publicações viralizadas nas redes, o instituto afirmou que “um vídeo que circula pela internet tem gerado diversos mal-entendidos sobre as ações do ICMBio. Ele foi produzido e divulgado por um brigadista que esteve em campo, trazendo uma versão errônea sobre a prática de que ele participara”.
Queima de expansão
A pedido do Comprova, o analista ambiental do PrevFogo Alexandre Pereira avaliou o vídeo compartilhado nas redes e confirmou que as imagens mostram uma técnica de combate às chamas.
Segundo Pereira, a tática funciona queimando de maneira controlada a vegetação do local para impedir que ela possa servir de combustível para a queimada descontrolada, de proporção bem maior, que se aproxima.
Como explicou o analista, ao queimar a vegetação mais seca, os brigadistas expandem a faixa de segurança, formada naturalmente pela vegetação verde e úmida, para impedir que a frente principal do incêndio entre na unidade de conservação.
— Depois que aquela vegetação foi queimada pelo fogo da queima de expansão que eles aplicaram ali, a frente de incêndio vai chegar, não vai ter mais combustível, que já foi consumido pelo fogo, evitando que o fogo adentre a unidade — acrescentou.
A prática da “queima de expansão” é prevista no Manual de Formação de Brigadistas do ICMBio. Como explica o guia, “para apagar o fogo é preciso neutralizar ao menos um dos lados do triângulo do fogo”, sendo eles o combustível (ou seja, a vegetação), o calor e o oxigênio.
Para eliminar o combustível, o manual recomenda a construção de uma linha de controle, um perímetro de segurança ao redor do setor afetado pelo incêndio para impedir sua propagação.
Isso pode ser feito com diversas técnicas, entre elas a queima de expansão. “Pode-se empregar o fogo e apagá-lo quando a faixa queimada atingir a largura desejada para a eliminação de combustíveis no lado da linha que irá queimar (queima de alargamento ou de expansão)”, detalha o documento.
A queima de expansão não é uma técnica exclusiva do Brasil, sendo utilizada em diversos outros países, como o Chile, segundo detalha a Corporação Nacional Florestal do país.
“A linha de fogo é uma faixa estreita de terreno onde é eliminada, com fogo, a vegetação combustível que está na trajetória do incêndio […]. O fogo aplicado desta maneira é chamado de queima de expansão que, ao avançar contra o vento, poderá ser apagado depois de alguns metros, mas que, mesmo que isso ocorra, cumprirá seu objetivo de expandir a faixa carente de combustível”.
Fogo amigo
Não é apenas a queima de expansão que faz uso do próprio fogo para conter as chamas. Conforme explica Alexandre Pereira, existem outros métodos que também envolvem chamas para controlar incêndios florestais. Entre eles, o fogo contra fogo e o aceiro negro.
O fogo contra fogo, segundo o analista ambiental, consiste em provocar um “incêndio controlado à frente de uma grande queimada, de modo a causar a interação entre ambos e a alterar a direção da propagação ou a extinção desse incêndio.”
Já o aceiro negro é uma “técnica que usa o fogo controlado para criar uma faixa sem vegetação, que impeça o avanço das chamas. Difere do aceiro comum, que é feito por meio de tratos ou outras máquinas como motoniveladoras.”
De acordo com o Código Florestal Brasileiro, o uso de fogo em vegetação é proibido. Porém, a lei permite algumas exceções, entre elas o “emprego da queima controlada em Unidades de Conservação, em conformidade com o respectivo plano de manejo e mediante prévia aprovação do órgão gestor da Unidade de Conservação, visando ao manejo conservacionista da vegetação nativa, cujas características ecológicas estejam associadas evolutivamente à ocorrência do fogo”.
Por que investigamos?
O Comprova em sua terceira fase faz verificações de conteúdos produzidos por usuários da internet sobre a pandemia de covid-19 e as políticas públicas do governo federal. Os incêndios no Pantanal se inserem neste segundo grupo, pois a resposta a eles passa por decisões tomadas em Brasília.
O vídeo verificado aqui circulou de maneira acelerada, aparecendo em diversas postagens diferentes em redes sociais como Twitter e Facebook. No post que fez o Comprova iniciar esta verificação, o vídeo teve pelo menos 8,1 mil visualizações. Em algumas das postagens, os autores davam a entender que a suposta ação criminosa dos brigadistas teria como intuito prejudicar o presidente Jair Bolsonaro.
Trata-se de uma lógica semelhante à verificada pelo Comprova ao investigar vídeos sobre queimadas na Amazônia. Recentemente, o Comprova revelou que um vídeo mostrava um outro tipo de queima controlada feita pelo Ibama e não um incêndio provocado para culpar o presidente e que um post usava uma foto antiga de madeireiros para acusar ONGs por incêndios na Amazônia.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.
Projeto Comprova
Depois de um período especial de 75 dias dedicado exclusivamente à verificação de conteúdos suspeitos sobre o coronavírus e a covid-19, o Projeto Comprova começou em 10 de junho a terceira fase de suas operações de combate à desinformação e a conteúdos enganosos na internet. O objetivo da iniciativa é expandir a disseminação das informações verdadeiras.
Nesta terceira etapa, o Comprova vai retomar o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. Fazem parte da coalizão do Comprova veículos impressos, de rádio, de TV e digitais de grande alcance.
Este conteúdo foi investigado por AFP, Correio do Estado e GZH e verificado por Folha, Jornal Correio, Jornal do Commércio, Piauí, SBT e UOL.
É possível enviar sugestões de conteúdos duvidosos e que podem ser verificados por meio do site e por WhatsApp (11 97795-0022). GZH publicará conteúdos checados pela iniciativa. O Comprova tem patrocínio de Google News Initiative (GNI), Facebook Journalism Project, First Draft News e WhatsApp e apoio da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). A coordenação é da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).