À beira do rio Xingu, em Mato Grosso, o cacique Raoni, uma das filhas do líder seringueiro Chico Mendes (1944-1988), Ângela, e a líder indígena Sônia Guajajara lançaram nesta quarta-feira (15) uma aliança contra políticas públicas do governo Jair Bolsonaro nas áreas ambiental e indígena.
Nos últimos meses, Bolsonaro fez diversos ataques contra Raoni, como dizer que ele não representa os indígenas do país. Uma das respostas do cacique caiapó foi realizar um encontro na terra indígena Capoto-Jarina, em Mato Grosso.
Organizado pelo Instituto Raoni e diversos parceiros não governamentais, o encontro reúne desde segunda-feira (13) cerca de 320 indígenas de diversas etnias e Estados brasileiros. A reunião deve acabar nesta sexta-feira (17) com a divulgação de uma carta aberta a ser encaminhada ao Congresso e ao Ministério Público.
O "pacto" do movimento extrativista, com dois dos principais líderes indígenas do país, faz referência, segundo Ângela Mendes, a um projeto que seu pai desenvolveu nos anos 1980 com lideranças como Ailton Krenak: uma Aliança dos Povos da Floresta.
— Hoje o cenário nos preocupa muito mais do que 30 anos atrás. Mais do nunca se faz necessária uma grande aliança. Nos juntar, somar a nossa força, minha, como filha de Chico Mendes, que continuo na luta e na defesa do legado dele, dos extrativistas, que lutaram ao lado dele, para se juntar ao grande legado e à grande história dos povos indígenas — disse Ângela.
Ela pregou a "unificação das forças para que juntos possamos resistir".
— Porque eles têm o poder e a autoridade do Estado a favor deles, mas nós temos uns aos outros e a força das águas, das florestas e dos nossos ancestrais — afirmou.
Raoni afirmou que o documento a ser produzido pelo encontro será divulgado como resposta aos ataques de Bolsonaro aos povos indígenas.
— Acho que todo mundo sabe, o Brasil inteiro deveria saber, ele (Bolsonaro) está atacando todo mundo, não só os índios. Ele ataca os índios mais forte ainda. (...) Eu fiz esse encontro e desse encontro vai sair um documento para mandar para fora (da terra indígena), para o Brasil ver o que estamos fazendo, defender a nossa terra. Para ele parar de falar mal da gente — disse Raoni. As declarações do cacique, em caiapó, foram traduzidas à imprensa por um assessor.
— Nós estamos reunidos aqui nessa mobilização (para) elaborar um documento e eu quero pegar essa equipe, esse grupo (de líderes), para levarmos esse documento ao Congresso e eu quero perguntar para ele (Bolsonaro) por que ele está falando mal dos índios — disse o cacique.
Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), uma das principais organizações indígenas do país, disse que "essa aliança aqui firmada hoje entre povos indígenas e Conselho Nacional de Extrativistas, um reconhecimento ao legado de Chico Mendes, é um momento histórico para marcar o início do ano de 2020".
— (Mostra) que nós não vamos deixar barato e não vamos aceitar negociar nossas vidas. E que somente juntos, povos indígenas e populações tradicionais e outros movimentos de mulheres, de quilombolas, LGBT, de mulheres da periferia, é que vamos conseguir fortalecer essa unidade na luta — afirmou Sônia.
O líder extrativista e amigo de Chico Mendes, Júlio Barbosa, também participou do anúncio da aliança. Segundo ele, "o problema que os povos indígenas enfrentam hoje com essa política neoliberal de desmonte do governo federal não é diferente do que estamos passando com as reservas extrativistas".
— Chegamos à conclusão de que cada um de nós isolado, cuidando da própria casa, não vamos conseguir avançar muito com esse sistema político aí instalado — disse Barbosa.
— Temos hoje no país 682 territórios destinados a populações extrativistas. Desses, 350 estão na Mesa da Câmara dos Deputados com pedido de desafetamento (redução de áreas) ou até de revogação da criação desses territórios — completou.
Funai diz que não participa de encontro privado
Em nota divulgada em rede social, a Fundação Nacional do Índio (Funai) minimizou o encontro promovido por Raoni ao dizer que "é um evento totalmente privado e em nada está alinhado à política institucional desta fundação".
"Como entidade oficial do Estado brasileiro nas questões indígenas, a Funai não participa de eventos particulares ou sequer apoia iniciativas que são alheias ao projeto governamental do órgão."