Dois artigos relacionados a uma pesquisa iniciada na década de 1990 no Rio Grande do Sul serão publicados em revistas científicas especializadas neste ano. Eles apresentarão o Estado e Porto Alegre como áreas de surpreendente riqueza e diversidade de borboletas. Liderado pela bióloga Helena Piccoli Romanowski, coordenadora do Laboratório de Ecologia de Insetos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o Programa de Inventariamento das Borboletas da Mata Atlântica Sul e do Pampa já catalogou desde 1993 mais de 800 espécies em 120 locais gaúchos. Destas, cerca de 500 com registro em Porto Alegre.
— Para se ter uma ideia, o Reino Unido inteiro tem 54 espécies de borboletas. A Austrália não chega a 400 espécies. E toda a América do Norte tem 800 catalogadas. Dois pontos estão a favor do nosso Estado: temos uma história geológica e evolutiva diferentes e uma variedade de ambientes, com montanhas, campos, florestas tropical, subtropical e caducifólias (aquelas que perdem as folhas num período do ano), que influenciam na continuidade das espécies — aponta Helena.
Há 40 anos, a bióloga dedica-se ao estudo destes insetos. Ao retornar de uma temporada de estudos no Reino Unido, no final do doutorado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Helena percebeu que o Rio Grande do Sul não tinha catalogação das borboletas. Até então, existiam apenas levantamentos únicos de regiões específicas, sem detalhamentos, e que não somavam 400 tipos. Ela, então, propôs ao Laboratório de Ecologia de Insetos da universidade, onde já lecionava, um programa destinado a catalogar a biodiversidade das borboletas da região, entender como e onde vivem, formar novos pesquisadores, divulgar o conhecimento, atuar em parceria com órgãos ambientais e estimular as visões crítica e científica. Até hoje, o programa de pesquisa vem sendo financiado prioritariamente com verbas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e suporte da estrutura do sistema de pós-graduação financiada pela Capes.
— As borboletas têm uma importância muito grande como objetos de estudos, pois são polinizadoras, servem de alimento para inúmeras outras espécies de animais, são uma ótima ferramenta para educação ambiental pelo seu apelo estético e também excelentes indicadoras ambientais. Os efeitos que observamos nas espécies de borboletas sinalizam a saúde do ambiente e também o que ocorre com os outros grupos de seres vivos — justifica a bióloga.
Novo gênero de borboleta
Inúmeras pesquisas tiveram início a partir do programa criado por Helena. E ela destaca duas descobertas importantes feitas pelos pesquisadores: a catalogação em 2012 de um novo gênero de borboleta, a Prenda clarissa, que vive somente nos Campos de Cima da Serra, e a localização da espécie Pseudolucia parana, extinta nos campos do Paraná e encontrada nos morros Santana e São Pedro, em Porto Alegre, e em Itapuã, em Viamão. Atualmente, 12 trabalhos são orientados por Helena e estão em andamento dentro do Programa, na Capital.
Aliás, a pesquisadora entusiasma-se ao falar da importância de Porto Alegre para a continuidade das borboletas. Por ter influência do Pampa, da Mata Atlântica e de elementos da planície costeira, a cidade acaba reunindo condições para a criação de espécies dos ambientes mais variados. Outras situações contribuem para a região ser um éden dos insetos: a urbanização lenta de áreas de relevo mais acidentado da Capital, como os topos dos morros do Osso, Santana e São Pedro, a criação de espaços preservados nos arredores, como Banhados dos Pachecos, Saint'Hilaire e Itapuã, no limite com Viamão, e ainda há o adicional de que a zona rural é formada por pequenos agricultores, que não usam ou utilizam pesticidas num nível mais abaixo do restante do Estado.
Helena sustenta que os insetos, incluindo as borboletas, são um elo chave nas cadeias alimentares terrestres e a principal fonte de alimento de 60% dos pássaros, e também de pequenos répteis, mamíferos e outros insetos. Ainda desempenham um papel importante na formação e manutenção da estrutura do solo, permitindo que os nutrientes voltem à terra e possam ser aproveitados pelas plantas.
— Eles também são fundamentais para a produção de alimentos para as pessoas, já que a maioria das nossas culturas depende de insetos para a polinização, para produção de frutos e sementes — completa a professora.
Entre os fatores que colocam em risco as espécies, Helena destaca as mudanças climáticas abruptas, o uso indiscriminado de agrotóxicos e de fogo, a conversão de campos nativos em pastagens artificiais para pecuária intensiva e a destruição da vegetação nativa.
— A perda de diversidade e abundância de insetos provocará efeitos em cascata em redes alimentares e pôr em risco os serviços dos ecossistemas. É impossível imaginar a vida humana sem insetos sobre a terra. Os insetos viveriam sem problemas na ausência da humanidade. Nós, ao contrário, não sobreviveríamos — finaliza a pesquisadora.
Importância do estudo
- Constatação de que Porto Alegre ainda é uma área rica para a continuidade da espécie por ainda manter áreas preservadas e pequenas propriedades rurais, com agricultura de baixo impacto.
- Descoberta e catalogação de um novo gênero de borboleta, a Prenda clarissa, que vive somente nos Campos de Cima da Serra.
- Localização da espécie Pseudolucia parana, extinta nos campos do Paraná. Ela foi encontrada nos morros Santana e São Pedro, em Porto Alegre, e em Itapuã, em Viamão.
- Catalogação de mais de 800 espécies de borboletas em todo o Rio Grande do Sul.
Curiosidades
- Quando se alimentam sugando o néctar das flores, as borboletas acabam transportando grãos de pólen (que ficam presos em suas asas e pernas) de flor em flor, contribuindo para a polinização e nascimento de novas plantas.
- São diurnas e podem habitar todos os ecossistemas terrestres.
- As asas das borboletas não provocam cegueira. Elas são recobertas por pequenas estruturas chamadas escamas — responsáveis pela coloração, refletindo a luz em diferentes frequências.
- Uma borboleta pode viver de poucos dias até meses, conforme a espécie. Em locais muito favoráveis, com calor e umidade o ano todo, a maioria das espécies tem uma vida mais longa, podendo ultrapassar mais de um ano com o ciclo completo (do ovo até o final do estágio adulto).
- Elas não desaparecem à noite. Em geral, se abrigam na vegetação, diminuindo sua atividade ou ficando imóveis, como se dormissem. Em algumas espécies, há o hábito da reunião noturna em grupos, que constituem dormitórios coletivos.
- Algumas espécies têm hábitos migratórios, viajando às vezes longas distâncias, em grupo, buscando condições mais favoráveis. Também é comum em certas espécies o agrupamento junto ao solo úmido para sorver água e minerais.
- Têm, geralmente, uma geração por ano e passam o inverno como larva ou pupa. Neste estágio, muitas espécies e grupos são migratórios e colonizadores.
- O estudo de borboletas por fotos ajuda, mas não é completo. Ter o exemplar da borboleta permite um estudo mais detalhado e aprofundado.
- Para pesquisa, a borboleta é capturada pelo pesquisador. Quando elas são encontradas mortas, geralmente, já estão em mau estado e não servem para coleções.
- Capturar e matar alguns indivíduos não ameaça a espécie, pois as proles (ou seja, descendentes de apenas uma das "mães") são muito numerosas. Uma "mãe" pode colocar até 400 ovos de uma única vez.
- Nenhum biólogo "gosta" de matar as borboletas. Mas, fazendo isso, salva a espécie inteira. Sacrifica algumas para salvar todas.
Fonte: Laboratório de Ecologia de Insetos — Departamento de Zoologia da UFRGS